Três perguntas para… |Margarida Font Amado
Uma ex-professora do agrupamento
Margarida Font foi uma professora marcante no percurso e na evolução da Escola Secundária Eng.º Acácio Calazans Duarte nas últimas décadas, tendo estado nesta escola entre 1972 e 1974, e, num segundo período, entre 1985 e 2017, tendo assumido papéis bastante relevantes, dos quais destacamos os anos em que esteve na direção desta escola, entre 1985 e 1988, onde implementou uma nova abertura entre o universo escolar e a comunidade, assim como experimentou novas e mais democráticas abordagens do ensino.
Por ter tido uma ação tão relevante, o “Ponto & Vírgula” quis saber de que forma esta escola a tinha marcado assim como perguntou como encarava esta nova etapa da sua vida, fora da sua intensa atividade escolar.
- Após um longo e diversificado trajeto como docente na nossa escola, que balanço poderá fazer da sua vivência nesta comunidade e como poderá definir o conjunto da sua participação nas transformações operadas ao longo da sua vida como professor?
Quando me pedem um balanço da minha vivência na comunidade/escola Calazans Duarte, o modo mais simples e breve de responder é a fórmula banal: o balanço é positivo. É que dizer o contrário seria desvalorizar em absoluto mais de três décadas de trabalho, o que, convenhamos, teria foros de tragédia, quando já não se tem possibilidade de voltar atrás... Não tendo eu talento trágico, o meu balanço não pode deixar de ser positivo.
A verdade é que gostei muito da escola, do trabalho com os alunos, com os colegas e com todas as outras pessoas que constituíam a comunidade. Encontrei nesta um ambiente acolhedor, que me permitiu desenvolver a minha atividade com gosto e aplicação, quer dizer, o melhor que pude. Poderia referir mil e um momentos que tenho na memória e que me são gratificantes, mas isso tornaria esta resposta demasiado longa. É claro que, ao longo de tantos anos, nem tudo foi fácil ou isento de situações problemáticas; mas, sabendo eu que o paraíso é uma bela ideia e não uma realidade, nada disso afeta a recordação da minha vivência na escola Calazans Duarte...
Quanto à minha participação nas transformações operadas ao longo da minha vida como professora e entendendo que estamos a falar das transformações ocorridas na escola, é-me muito difícil avaliar. Aceitando que houve certamente transformações, seria primeiro necessário especificar a que transformações nos referimos: Físicas, nas instalações? Organizacionais? Relacionais? Pedagógicas? Outras? Depois, como medir a participação individual em processos de mudança que implicam um coletivo? Tudo isto pediria uma reflexão e um desenvolvimento que não me parece caberem aqui.
- Depois de abandonar a atividade que sempre exerceu, que novos desafios se lhe colocaram, no sentido de prosseguir com uma vida ativa, com novos interesses ou novas descobertas?
Deixei a profissão da mesma forma como a iniciei, isto é, naturalmente. A escolha da profissão foi para mim natural: gostando de línguas, de literatura e de ler, que outra coisa poderia estudar a não ser isso? Com uma licenciatura em letras, que profissão era mais óbvia do que ser professora? Assim comecei e assim fui descobrindo a profissão. Tive a sorte de gostar do trabalho com os alunos, que, além de tudo o mais, também me dava a oportunidade de partilhar o meu gosto pela leitura e me pedia o estudo das obras e autores que lhes devia ensinar. De facto, não há como ensinar para aprender....
Claro que a profissão de professor se compõe de outras facetas: nem todas correspondiam tanto aos meus gostos, mas tudo tem um preço e não me foi difícil pagar este. Além disso, o ser professora deu-me também muitas vezes a sensação de ser útil, no sentido de ser parte ativa no grande empreendimento da melhoria da escolarização das novas gerações.
Devo, no entanto, dizer que tenho dúvidas sobre o sucesso do trabalho que eu e o conjunto dos professores de Português desenvolvemos no campo da promoção do gosto pela leitura. Penso, por exemplo, no Inquérito às Práticas Culturais dos Portugueses, realizado pela Fundação Gulbenkian em 2022, que apresenta dados como o seguinte: A percentagem de inquiridos portugueses que, no último ano, não leram qualquer livro impresso (61%) é francamente superior à registada na vizinha Espanha, um ano atrás (38%). A leitura de livros digitais foi realizada por 10% dos inquiridos portugueses, contra 20% dos espanhóis. E aqui nem se fala dos níveis de leitura de outros países europeus .... Certamente que mais fatores entram na explicação desta situação, mas não deixo de me perguntar se não poderia e deveria ter feito melhor.
Mas enfim, voltando ao gosto que me deu a profissão: foi esse gosto que fez com que aquilo a que se chama a vida profissional nunca fosse para mim uma realidade separada do que se chama vida pessoal. Sei que isto de nos pagarem para fazermos aquilo de que gostamos, e que é, portanto, parte da nossa vida pessoal (no meu caso, ler, estudar, passar a outros o que se estuda e lê) é uma grande sorte e estou grata por a ter tido.
Quando deixei a escola, não deixei o meu gosto pelos livros e pela leitura, antes pelo contrário. E, como é sabido, uma vida não é, nem de perto, nem de longe, suficiente para se ler tudo o que de maravilhoso a humanidade tem escrito. As descobertas não acabam nunca... e os desafios são imensos! Perdi os alunos, mas ganhei o tempo (que, é, infelizmente, sempre curto) e a liberdade que não tinha antes.
- Como encara o futuro do ensino em geral e da nossa escola em particular, porventura, daqui a quatro anos?
Haverá certamente mudanças, no ensino em geral e na nossa escola. Não me parece que sejam rápidas, nem muito evidentes num prazo de quatro anos. Por um lado, nada é rápido em educação e, por outro, instituições como a escola são dotadas de uma inércia apreciável. Há nelas uma necessidade de estabilidade, o que é bom, porque as preserva, e é mau, porque as impede de se transformarem para responder rapidamente às mudanças do mundo. Às vezes, a lentidão com que a escola se vai adaptando aos novos tempos parece ameaçar até a sua preservação...
Olhando para trás, pergunto-me muitas vezes o que é que de essencial mudou na escola que conheci, naquela onde estudei ou naquela onde ensinei. Houve muitas mudanças, certamente, e importantes: todas as crianças e jovens estão agora na escola, a preocupação com a integração de todos aumentou, as instalações são melhores, há mais meios, há mais escolhas, há mais diversidade a vários níveis, e isso é bom; mas não suficiente, pois o futuro trará novas exigências e, logo, a necessidade de mais mudanças.
Acredito que o ensino e a escola irão respondendo a essa necessidade, talvez nem sempre da melhor forma, mas sempre desempenhando um papel fundamental nas nossas sociedades, que se querem livres, democráticas, abertas. Afinal, ainda não se inventou outra coisa capaz de substituir a escola...