Os Pontos e Vírgulas da Educação Inclusiva |Professores da Educação Especial
Os Pontos e Vírgulas da Educação Inclusiva
O poema “Recomeça... Se puderes, sem angústia e sem pressa” de Miguel Torga, surge como um excelente prelúdio para o início de um novo ano letivo, um momento que envolve sempre expetativa e renovação.
Nos primeiros dias de setembro, as papelarias, livrarias e escolas enchem-se de crianças e jovens e respetivos pais/encarregados de educação numa corrida aos manuais, aos materiais novos e bonitos, seguindo-se momentos de plastificação, etiquetagem, checklist, numa espécie de ritual de preparação e de aquisição do bilhete de ingresso numa viagem. Na segunda metade do mês, as receções pelos futuros educadores/professores titulares/diretores de turma são o ponto alto deste ritual preparatório e acarretam, em muitos casos, um misto de entusiasmo e de ansiedade. Trata-se do reencontro de algumas caras conhecidas, após o interregno estival, ou o primeiro contacto com caras novas e grupos novos e, nalguns casos, escolas, espaços novos. Trata-se do momento de relembrar ou redefinir regras, calendários, modos de funcionamento de espaços e de grupos/turmas.
Embarcar numa nova viagem traz naturalmente ansiedades, que, no caso dos alunos com necessidades educativas ou com medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão, surgem exponenciadas. Nestes casos, o recurso aos professores de Educação Especial/apoio/terapeutas é instintivo, procurando nestes, um abraço, uma palavra de incentivo (“Vai correr tudo bem”, “Tu vais conseguir!”), um olhar confiante, um ouvido atento, um compromisso (“Eu estou aqui”, “Podes contar comigo”). Por vezes, há apenas a necessidade de contar como passaram bons dias de férias em família, outras vezes, os dias que gostariam de ter vivido, os sonhos e receios que têm na alma para o novo ano letivo. Mesmo munidos de todo o material necessário e do apoio da família, algumas crianças ou jovens exibem alguns bloqueios, especialmente neste início do ano escolar. A apropriação de novas rotinas e regras, a interação com novos colegas, o entrosamento em novos grupos pode acordar “sensibilidades” e acarretar desafios, exigindo, em determinadas situações, a intervenção do educador/professor/DT/ psicólogo/professor de Educação Especial/coordenador de estabelecimento… O funcionamento particular de algumas crianças e jovens que frequentam centros de apoio à aprendizagem e à inclusão/unidades de apoio especializado, algumas das quais não possuem habilidades verbais para exprimir os tais sonhos e receios, representam desafios ainda maiores, exigindo a atuação concertada de redes/equipas multidisciplinares e uma comunicação muito próxima com as respetivas famílias.
Ao longo do mês de outubro, foi necessário atender a algumas situações que requereram uma atenção particular – conversar com os alunos, fazer a ponte junto dos pais e Encarregados de Educação, recorrer aos técnicos (psicólogos, terapeutas), assistentes operacionais e administrativos, Diretores de Turma, professores e tutores, solicitar a intervenção médica... Qual viagem de longo curso, também neste processo é necessário fazer paragens, “abastecer” (equilibrar emoções), “verificar se os instrumentos de navegação” estão operacionais (avaliar competências), fazer pequenos ajustes à rota (acolher horários, regras…).
Ainda agora começamos esta viagem, mas a forma como o fizemos, com a devida preparação, dirá como corre. O primeiro destino não tardará a ser vislumbrado – no final de janeiro, estas crianças e jovens terão oportunidade de olhar para trás e verificar se o processo de aprendizagem foi bem conseguido e fazer novos ajustes, com maior ou menor apoio e incentivo da “tripulação” (professores, assistentes, terapeutas, pais…) e restantes “passageiros” (alunos), e retomar o percurso.
Continuemos, então, esta viagem, esperando que os sobressaltos sejam mínimos, que o percurso seja enriquecedor, que os ritmos sejam respeitados e que alcancemos os destinos traçados – «o aprender a conhecer, o aprender a fazer, o aprender a viver juntos e a viver com os outros e o aprender a ser» (cf. PASEO – Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória) a aquisição de «saberes e valores para a construção de uma sociedade mais justa» e inclusiva, «centrada na pessoa, na dignidade humana e na ação sobre o mundo» (cf. PASEO).
Que o ano letivo 23/24 seja uma viagem transformadora e enriquecedora para todos, «sem angústia e sem pressa», «em liberdade», «sempre a sonhar e vendo o logro da aventura», como afirmou Miguel Torga!