Três perguntas para… |Fernando Emídio
Coordenador da Cidadania
- Em termos de direitos humanos, qual o maior desafio que o mundo enfrenta de momento?
Para mim, o maior desafio que enfrentamos desde sempre é a incapacidade que temos de nos conectar ao "outro", a falta de consciência acerca dos direitos e das necessidades dos "outros", o egocentrismo e o "desligamento" relativamente ao que nos rodeia. Com a evolução da sociedade em termos de bem-estar material, foi muito descurado o desenvolvimento da consciência e da forma como somos e estamos no mundo, levando a que valores universais como a empatia e a compaixão sejam colocadas em segundo plano. Apesar de todos os esforços que têm sido desenvolvidos por diversas instituições e personalidades internacionais neste trabalho de dignificação do Ser Humano, verificamos que a maior parte do tempo continuamos a desvalorizar o "outro" na nossa ação quotidiana, colocando os nossos interesses acima de tudo. Admiramos muito o exemplo de vida de pessoas que são ou foram extremamente altruístas, mas esquecemo-nos constantemente de nos colocar ao serviço dos "outros". Não quero com isto dizer que nos devemos esquecer de nós próprios, antes pelo contrário, um ato realmente altruísta começa por cuidarmos de nós em primeiro lugar, para estarmos bem e proporcionarmos, de alguma forma, esse bem-estar a quem nos rodeia. O grande problema é que queremos estar bem e ficamos por aí, desligando-nos da realidade à nossa volta, como forma de autoproteção. E isso vê-se diariamente no mundo em que vivemos porque, infelizmente, ainda continuamos a ter muitas situações de violação dos direitos fundamentais da humanidade como conflitos/guerras por territórios, que resultam em milhares de mortes, numa clara falta de respeito pela vida humana. As migrações a que assistimos nos últimos anos, resultantes deste desrespeito pelo Ser Humano, muitas delas clandestinas e em que as pessoas se sujeitam a perder a própria vida, são outra grande preocupação porque revelam que os Direitos Humanos não estão a ser respeitados nesses países. Estas migrações trazem uma responsabilidade acrescida a nível global, de forma a haver uma ação conjunta dos países para proporcionar condições de vida condignas a estas pessoas nos seus próprios países. Também não podemos descurar as alterações climáticas e o impacto que já estão e que continuarão a ter no planeta, o que levará a que estas situações se compliquem ainda mais, prevendo-se um aumento da violência a nível global. Assistimos também ao constante desrespeito e violência para com as minorias, para com quem sai do mainstream, quer esteja relacionado com raça, cor, sexo/orientação sexual, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional, origem social, entre outros.
A recente criação da Inteligência Artificial leva a que tenhamos de ser cada vez mais cuidadosos e críticos na análise daquilo que nos é transmitido, correndo-se o risco de se criarem conflitos baseados em supostos factos (“fake news”) e mais recentemente através da manipulação de imagem, o que pode levar a julgamentos errados, algo que é bastante preocupante e a que temos que estar muito atentos.
Passados 75 anos da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Assembleia Geral das Nações Unidas, verificamos que ainda há muito trabalho a ser feito. Pensando em termos de evolução da Humanidade, seria de esperar que em pleno século XXI muitas destas situações já não acontecessem, o que me leva a pensar na questão seguinte.
- De que forma a escola pode contribuir para a defesa dos direitos humanos?
A escola tem sido, ao longo do tempo, um polo de educação para os direitos humanos, mas aqui coloca-se a questão se isso é suficiente. Sem haver um compromisso global das instituições e das pessoas que nos governam, a sociedade continuará com cada qual a olhar para o seu umbigo, assobiando para o lado relativamente ao que se passa à sua volta. A escola tem de continuar a desempenhar o seu papel, tal como as famílias não podem descomprometer-se e têm que educar as suas crianças e jovens para que sejam bons cidadãos, que tomem conta de si, dos que os rodeiam e do planeta. A educação para a cidadania na escola, de um modo formal e informal, tem contribuído para a consciência do respeito pelos direitos humanos e de que forma isso pode impactar o nosso dia a dia, em simples atos que poderão fazer toda a diferença na nossa vida e na vida de mais alguém. A escola continuará a fazer isso tão bem como tem feito ao longo do tempo, mas, inserida como está numa sociedade, não pode ter sozinha este ónus de formar cidadãos para os desafios que temos e teremos de enfrentar. Toda a comunidade tem de se envolver nesta ação de uma forma articulada, de modo a que as crianças e jovens de hoje, que frequentam a escola, sejam adultos amanhã, inseridos numa comunidade para a qual terão que contribuir positivamente, sob pena de não o fazendo estarem/estarmos a hipotecar o seu/nosso futuro. Não posso deixar de referir a extrema importância de uma educação para a consciência que, desde muito cedo, transmita esta ideia de que vivemos todos em comunidade, que estamos todos interligados, que temos direitos e deveres que devem ser tidos em conta e do cuidado que temos que ter connosco e com os "outros".
- Imagine que tinha direito a ser visualizado e ouvido em todas as redes sociais durante um minuto. Que mensagem gostaria de transmitir a todos os cidadãos do mundo?
Quando acordou hoje, pensou que queria ser a pessoa mais infeliz do mundo, que queria sofrer, que queria passar fome, que queria estar no meio de um conflito, que queria estar longe do seu lar e das pessoas de quem mais gosta?
Provavelmente isso não aconteceu e talvez tenha pensado que gostaria de ser uma pessoa feliz, que estivesse bem consigo própria e com os "outros", que tivesse todas as suas necessidades satisfeitas, que estivesse em paz, que estivesse no conforto do seu lar e junto de quem mais gosta.
Pois é isso a que todos os seres humanos aspiram: serem felizes, estarem bem física e mentalmente, estarem em paz consigo e com os "outros"!
Então, da próxima vez que tiver vontade de magoar alguém, pense em como essa pessoa, tal como você, tem este desejo de estar bem e tente respeitar essa aspiração profunda do Ser Humano, que reside em todos nós.
A mudança começa em cada um de nós, a cada momento!
P.S.: Deve ter dado conta que, ao longo do texto, a palavra "outro(s)" surgiu sempre entre aspas e a razão para isso acontecer é para que cada um possa refletir sobre o que será isso do "eu" e do(s) "outro(s)".
(fotografia: setembro/2022, na sede das Nações Unidas (Nova Iorque), aquando da Transforming Education Summit)