Rui Verdasca

1. «O Sr. José entrou na Conservatória, foi à secretária do chefe, abriu a gaveta onde o esperavam a lanterna e o fio de ariadne. Atou uma ponta do fio ao tornozelo e avançou para a escuridão». Para aqueles que já tenham lido o magnífico romance Todos os Nomes de José Saramago, saberão, com certeza, de qual parte da obra pertence o excerto acima. Tendo em conta a sua localização na estrutura narrativa do livro, o leitor espanta-se, queda-se incerto, reflete intensamente, e muitas vezes não percebe. Aquela forma de terminar o período, «avançou para a escuridão», entusiasma intelectualmente, permitindo que a reflexão destile para uma segunda leitura. Na verdade, é labiríntico: e este está impregnado de escuridão.
2. Neste momento, estamos nós a percorrer o labirinto. Incorporamos Teseu, Ariadne já nos entregou o seu fio. Avançamos para o Minotauro. E tudo principia. Mas o que principia? O percurso de descobrir todos os nomes, todos os nossos nomes, ou seja, descobrir nenhum, pois inominável. Porquê inominável? Porque dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos. Essa coisa é o Minotauro. Assustadora, gigante, feroz. É o que somos. Conheces o nome que te deram, não conheces o nome que tens. É o Minotauro, e o labirinto somos nós. O homem é o labirinto de si mesmo. Nem Dédalo conseguiu sair do labirinto: seremos nós, Teseu, que conseguirá? Ora, está o fio atado ao tornozelo: o fio que é a palavra, palavras que são os nomes, as mais vazias de todas se não lhes metermos dentro um ser humano.
3. O ser humano está lá metido. Agora, não é o Sr. José, mas uma poeta: é Sophia. Lá em Creta, onde está; em Cnossos, onde está; no labirinto, onde está, de olhos abertos inteiramente acordada, em frente da solenidade das coisas, percorre-o. Tenta descobrir o que é tudo, mesmo que este seja o aparente nada. Um niilismo que, afinal, é tudo para o eu, Teseu. Pois porque somos heróis e não deuses, havemos de cumprir a profecia que eles nos oferecem. Havemos de percorrer o labirinto. Mas Teseu? Ou Sophia? Sophia. Ela que, agora, proclama, enuncia, livremente expressiva. Mas para que é que está Sophia percorrendo? Para quê não: porquê. Faz-se o intento, não interessa o quê último. Então, porquê?
Porque pertenço à raça daqueles que percorrem o labirinto
Sem jamais perderem o fio de linha da palavra.

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