Pé de dança |Inês Duque


«O que somos? Somos sombras.» – Esta é a conclusão da peça de teatro “O Purgatório – A Divina Comédia”, interpretada pelo Teatro O Bando em parceria com o Coro Setúbal Voz. Uma obra escrita por Dante Alighieri no século XIV, sendo, então, um poema épico, dividido em 3 partes (Inferno, Purgatório e Paraíso). Como tal, esta peça relata a viagem imaginária de «três manhãs, três tardes e três noites» feita por Dante ao Purgatório. Dante é a personagem referencial do homem. Este, durante a sua viagem, depara-se com Beatriz (personificação da fé) e com Virgílio (personificação da razão). Estas personagens, com o apoio de mais de 30 figurantes, dão vida à sala Garrett, no dia 15 de Novembro. Esta sala faz parte do Teatro Nacional D. Maria II, o qual abriu as suas portas a 13 de Abril de 1846, durante as comemorações do 27.º aniversário de D. Maria II (1819-1853), passando por isso a exibir o seu nome na designação oficial. Contudo, 10 anos antes da sua inauguração, Passos Manuel (que formou governo após uma revolução) encarrega Almeida Garrett de instituir um novo cariz ao teatro português. Deste modo, cria a Inspecção-Geral dos Teatros e Espectáculos Nacionais e o Conservatório Geral de Arte Dramática, institui prémios de dramaturgia, regula direitos autorais e edifica um Teatro Nacional, o qual, após a existência de um teatro provisório (1836); de um local com um passado assombroso destinado à sua construção (1836-1842) e a um nome, também, provisório (1928), é, finalmente, construído e implementado o Teatro Nacional D. Maria II. De facto, na peça «A Divina Comédia- o Purgatório» existe uma reflexão sobre a Humanidade, pois, assim como Dante, às vezes nós estamos dentro do coletivo e outras vezes estamos singularizados, ou seja, estamos “no nosso canto”, olhando para esse tal coletivo. Segundo Jorge Salgueiro (Dramatofonia, música e direcção musical), nós estamos mais próximos das personagens do purgatório, pois são aquelas que “têm uma luta pela frente, um trabalho, um caminho até chegarem onde pretendem”. Contudo, o que é o Purgatório? Purgatório foi um novo dogma da Igreja Católica no século XIV. Assim, Dante caracteriza-o como um espaço intermediário, que se encontra na porção austral (Sul) do planeta, onde existe uma única ilha com uma grande montanha no centro, que sobe até alcançar os céus: o Monte Purgatório. No Purgatório, as almas assistem às punições das outras almas que, por pecarem mais "intensamente", foram para o Inferno. O Purgatório, geograficamente, divide-se em 6 partes:
1. O Rio Tibre, onde um anjo em uma barca leva as almas até o Purgatório.
2. O Ante Purgatório, onde estão as almas dos que se arrependeram no último instante.
3. O Baixo Purgatório, onde estão as almas daqueles que perverteram o amor.
4. O Médio Purgatório, onde estão as almas daqueles que não conseguiram amar.
6. O Paraíso Terrestre, ou o Jardim do Éden.
No Purgatório, os piores pecados aparecem no Baixo Purgatório e os menores, no Alto. No início da subida da montanha estão esperando arrependidos tardios, que têm de aguardar a permissão para passarem pela Porta de São Pedro antes de iniciarem sua ansiada subida. Cada um dos sete círculos correspondem a um dos sete pecados capitais, na respetiva ordem: Orgulho, Inveja, Ira, Preguiça, Avareza junto ao Pródigo, Gula e Luxúria. Os Avarentos e Pródigos estão juntos no mesmo círculo, pois são os dois extremos, onde o avarento supervaloriza o dinheiro e o Pródigo o desperdiça. No fim do Purgatório, Dante se despede de Virgílio, pois este não pode ter acesso ao Paraíso. Lá encontra Beatriz, sua amada quando estava na Terra. Esta leva-o até o rio Lete. Quando Dante bebe a água do Lete, esta apaga a sua memória, seus pecados, é como se Dante tivesse renascido. Existe uma lenda que diz que o Paraíso fica entre o rio Tigre e o Eufrates. Finalmente Dante chega ao Paraíso. Lamentavelmente, a performance de Sara Belo, que protagonizou Beatriz, não foi plenamente percetível, pois, ao questionar alguns espectadores, todos eles afirmaram que Sara Belo parecia a “vilã da história”. Talvez seja pelos seus cantos, pela sua entoação ou até as suas falas que suscitaram essa confusão. Já Fernando Luís (Virgílio) mostrou o seu forte profissionalismo do início ao fim da peça, desde os detalhes mais minimalistas ao atos de grande ênfase (ex: o seu canto). Nélson Monforte (Dante) deu-nos uma atuação de cariz elevado devido à quantidade de detalhes desempenhados pelo mesmo. Em conclusão, o teatro também é uma maneira de expressar emoções e de caracterizar e desempenhar o papel de arte. O facto desta peça ter um pouco de música que, apesar de ser de caráter mais evangélico, cativou o público, deixando-o estupefacto e cheio de “arrepios”.

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