À Beira Do Colapso!|Inês Ruivo

Recentemente, a minha família, perdeu um honroso soldado: o gato Jeremias. Já está claro que hoje irei escrever sobre a perda e como esta tem impacto no nosso crescimento. Perder alguém que nos é querido afeta inerentemente o nosso quotidiano: ainda que essa morte seja esperada e “preparada”, afeta qualquer um com o mínimo de escrúpulos! Quando se trata de velhice ou doença terminal, sabemos que será essa a razão que levará à separação definitiva, cujo pensamento tentamos evitar a todo o custo, pois conviver com a ideia de que a morte é uma certeza assusta-nos e leva o nosso pensamento para os confins mais profundos e sombrios da mente. Porém uma morte inesperada, repentina e que nem deixou a mísera chance para dizer “adeus, até sempre”, é capaz de nos afetar de toda uma forma completamente diferente. Prepararmo-nos mentalmente para a perda de alguém próximo atribui-nos automaticamente a dimensão inicial do luto, a primeira fase. Neste momento tentamos aproveitar os últimos instantes na presença desse ente querido; tentamos reconfortá-los na medida do possível; escutamos o bater do seu coração num abraço apertadinho, resgatando a lembrança de uma existência feliz, de uma “missão cumprida”; por último seguramos a sua mão e, de olhos feitos em água, aguentamos firmes para transmitir uma última sensação de força e coragem. O cenário que acabo de descrever seria, provavelmente, o mais desejável em qualquer situação de morte e de despedida definitiva. Porém, na maior parte dos casos as coisas não são assim tão lineares. Quando a morte vem sem pedir permissão e ceifa a vida de uma criatura, perante o seu poder, indefesa, a dor atinge tão gravemente o ambiente à nossa volta que ficamos sem ar por frações de segundo, as nossas entranhas comprimem-se de tal forma que só nos apetece vomitar; a vontade de continuar esvaece e os pensamentos doentios consomem o nosso ser. Esta deve ser uma das mais horrendas sensações que qualquer pessoa deve ter de enfrentar ao longo da vida. É toda uma sensação de dor e vazio que não sou capaz de explicar melhor. Aos 8 anos de idade perdi o meu avô, o meu melhor amigo. Todos os dias penso no quão maravilhoso seria se ele estivesse aqui e tudo o que ele me teria ensinado ao longo do meu crescimento. Sinto que nunca saberei de tantas experiências e histórias da sua vida, pois não partilhámos tempo comum na terra suficiente para que eu lhe pudesse colocar tais questões. Recordo-me que nesse ano tive imensa dificuldade, medo até da morte; não entendia o porquê de nascermos e estarmos destinados a um fim. Felizmente, hoje posso dizer que a morte não é o meu maior medo, mas sim o esquecimento. Relembrar pode prender-nos ao passado e impedir-nos de evoluir, mas é essencial no processo de “healing” após toda a dor causada pela ideia de perda. O penúltimo passo de ajuda para ultrapassar a perda é desmistificar esta mesma ideia de que “a morte é uma perda”. A minha vivência, que não é muita, permitiu-me ter refúgio na crença de uma entidade suprema, um Deus, um Universo, um Todo que nos é comum. Afinal, não acredito que toda a perfeição do universo se resuma a um mero choque de partículas ou um simples “acaso”. Acredito que haja uma razão para assim ser, para todo o mistério que envolve a vida após a morte. Acreditar é o que me ajuda a não ter medo. Por fim, é com o mote do filme infantil Frozen que encontro a etapa conclusiva deste processo de superação: “Let it go”. Sem nunca esquecer e guardando sempre as memórias juntinho a nós, devemos deixar “os espíritos” seguirem o seu caminho pela ordem a que estão destinados. Podem não estar aqui agora, mas certamente que estão a caminho de um lugar melhor, utópico e onde não se dá lugar ao sofrimento. Retomando o soldado Jeremias e também aos soldados Billy, Nico, Pompeu e Tobias, desejo-vos tudo do bom e do melhor aí, no mundo dos animais de estimação. Condecoro os vossos honrosos nomes com estrelas celestiais pelos vossos feitos na terra. Obrigada por tudo. Sem mais delongas, gostaria apenas de deixar só mais uma ideia assente: a morte pode sim ser vista como uma flor: se a semente não morrer na terra, não poderá haver raiz, árvore, flor ou fruto. A vida é uma sementinha com prazo de validade, destinada a morrer para poder alcançar um propósito maior.
Assim, metaforicamente, deixo ao vosso critério interpretar esta mensagem.
Em homenagem a M.L.F.J.M.M

Fonte da foto
“10.6 A morte é uma flor" e é da autoria de Graça Sarsfield, está disponível na coleção de arte da revista "electra" online.

 

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