Rodrigo Andrade Santos, 12.º C

ANOTAÇÕES PESSOA

Café A Brasileira, Lisboa, 1928

Como habitualmente, sento-me à mesa e pouso o chapéu. Alcanço o meu caderninho e escrevo isto. Detesto esperar, é uma virtude da qual não disponho. Todavia, gosto de esperar, é tempo que me aproxima da desaparição. Não quero com isto pensar-me um enamorado pela morte, mas sou um realista e o seu carácter inelutável não se desassocia do meu pensar. Até lá… escrevo. Bernardo, não tarda muito, juntar-se-á a mim. Indivíduo desapaixonado pela vida em geral, talvez seja por isso que aprecie a sua companhia. Vejo nele uma reflexão minha, tão clara como quem se prostra diante de um espelho. Nu. É a personificação do meu pensamento. Deambula pela vida e refugia-se da mesma, sonhando e escrevendo. Sonha para petiscar felicidade, escreve para anestesiar a sua dor de consciência. “Dor de consciência” é uma brincadeira nossa. Gosto de lhe dizer que é o único ser que conheço com consciência, tronco e membros. Essencialmente, diria que vive num desassossego sossegado. A invitação não foi una, espero também o meu amigo Campos, de visita ocasional a Lisboa. Ah! Senhor Engenheiro Álvaro de Campos, assim lhe chama a sociedade. Cosmopolita viajado, artesão das engenharias, Campos respira futuro. Di-lo-ia um embaixador da modernidade. A sua presença tem tanto de inquietante como de apaziguante – por fartos motivos. Chego quase a sentir-me diminuído na sua presença, ele é eu mas mais vivo, mais interessante, mais atraente, uma versão melhorada de mim mesmo – não que lho tenha dito alguma vez. Não obstante, carrega em si todos os meus males e, por mais egoísta que seja, desencadeia em mim uma catarse, como se dividíssemos o peso de existir. Por impertinência face à sua bela figura, os seus olhos estão pintados de uma fragilidade paralela à de um menino perdido na rua…. Perdido até de si mesmo, talvez. Não sei, é uma conjetura apenas. Enderecei, ainda, um convite a Alex. Search, Alexander Search - como gosta de se declarar às senhoras. É o meu amigo mais antigo, quase como que um gémeo que se harmonizou comigo desde o útero, um par desde a minha fase embrionária. Acompanhou-me numa fase custosa da minha vida, aquando da minha vinda para Portugal, em 1905. Conversávamos imenso, substancialmente em inglês. Desde cedo encontrei no seu nome uma certa beleza metafórica – “Search”, como quem sai em busca do mundo e numa demanda por si próprio, pelo seu Eu. Alexander sempre foi um tipo distinto, de uma inteligência sublime e, por isso, há já muitos anos, vi nele traços que só mais tarde viria a encontrar, quer em Bernardo, quer em Campos. Por mais díspares que aparentem ser, no seu cerne, nutrem-se das mesmas indagações metafísicas, olhando para a vida de formas desconformes, mas, simultaneamente, iguais. Será que, subconscientemente, é isso que me seduz e me faz orbitar para cada um? Irrelevante. Tento nem sequer me permitir divagar para tal pensamento, gosto deles porque gosto. São meus amigos e seria incapaz de me dissociar deles. Gosto de os frequentar, encontrar-me neles, enquanto me perco neles. Alcanço o meu relógio de bolso – meio-dia. Foi-me ofertado por Ofélia, é só por isso que o carrego. Tem a forma de um retângulo peculiar e lá dentro, a preto, um minúsculo cavalo com o centro dos ponteiros cravado no seu torso. Um artefacto hediondo, por sinal. Enfim, manhã perdida! Tornaram a não aparecer, que três! São uns assíduos ausentes. Tão pouco os vejo que parece que habitam mais a minha cabeça do que o mundo real. Faço-me ao caminho de chapéu devolvido à cabeça. Reservo-me uma paragem só na Tabacaria para comprar o jornal, antes de volver ao n.º 18 de Campo de Ourique. Pode ser que me cruze com o Esteves e, assim, possa reciprocar uma palavrinha com alguém.

 

 

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