Canção da Paciência de José Afonso
Jorge Alves

Muitos sóis e luas irão nascer
Mais ondas na praia rebentar
Já não tem sentido ter ou não ter
Vivo com o meu ódio a mendigar

Tenho muitos anos para sofrer
Mais do que uma vida para andar
Beba o fel amargo até morrer
Já não tenho pena sei esperar

A cobiça é fraca melhor dizer
A vida não presta para sonhar
Minha luz dos olhos que eu vi nascer
Num dia tão breve a clarear

As águas do rio são de correr
Cada vez mais perto sem parar
Sou como o morcego vejo sem ver
Sou como o sossego sei esperar

Neste caminhar desconsolado, quando lá fora a chuva cinza esfria as nossas vontades, assombra-me a paciência das árvores, espanta-me a impaciência dos Homens. Agora, que estamos, mais que nunca, irmanados num destino incerto, agora, que só desejamos que a “sorte” não nos calhe, tento aprender com os seres mais lúcidos e sagazes que enfrentam todos os invernos, que se debatem com todos os frios, que, resistem a todas as noites. Neste infindável “inverno do nosso descontentamento”, tento imaginar-me feito das fibras resistentes das árvores que, apesar de nuas e dormentes, continuam a busca do seu alimento, enterrando fortemente as suas raízes entre a terra dura e as intransponíveis pedras; imagino-me a crisálida que, prisioneira na sua mortalha, sabe que essa espera é o caminho para a sua liberdade colorida de borboleta, plena de luz e harmonia; imagino-me os animais hibernantes que têm no seu sono o único caminho possível para a esperança de uma vida nova…
E pergunto-me:
Será que este “inverno” de tantos frios e tantas trevas nos retirou a lucidez para encontrarmos os caminhos mais seguros para atingirmos a luz que nos guiará e nos revelará, enfim, a nova primavera?
Porquê, então, quando todos estamos na mesma nau desgovernada que se chama Terra, nos encerrarmos nos nossos egoísmos exigindo para nós aquilo que retiramos aos outros?
Para quê, só pensarmos nos nossos efémeros confortos, quando pomos em perigo aqueles que se cruzam connosco, aqueles que, pelas suas vulnerabilidades, poderão ser as vítimas mais certas deste mal que nos afeta?
Porquê, então, adotarmos atitudes que só a nós servem, mesmo que saibamos que essas mesmas atitudes podem pôr em perigo de morte os nossos seres mais queridos – pais e avós?
Mesmo, por vezes, não entendendo, mesmo que para nós nos pareça tudo isto um absurdo, mesmo que nos convençamos que somos donos da verdade e que, nem cientistas nem outros peritos tenham razão nas afirmações que façam e nos conselhos que nos dão, como é que temos a coragem de pôr em perigo aqueles que dizermos mais amar?
Se, até agora, a única vacina para o mal que nos atormenta é o saber esperar, que o façamos com lucidez, com sensatez, com o mínimo de inteligência. Aprendamos com as árvores, com as crisálidas e com os bichos hibernantes das florestas e assim poderemos ver um dia as flores da nova primavera.

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