Diogo Heleno | Opinião

Primeiramente, revela-se imperativo afirmar quão singular esta imagem é: que não só retrata uma época de colonialismo e opressão, como também, simultaneamente, traz a lume, de forma extraordinária, as consequências da absorção da cultura de um povo que se assumiu dominante.
É, pois, flagrante a ironia desta imagem, que ilustra a escolta de prisioneiros nativos por parte dos próprios índios, que outrora partilharam o mesmo chão, a mesma liberdade que os europeus eclipsaram. Mais ainda, de forma quase despercebida, a nudez dos prisioneiros metaforiza a perda da sua identidade cultural, prestes a ser substituída pelos panos coloridos da cultura opressora. A ilustração é, então, simbolicamente reveladora de um lar que se deixa para trás e uma nova realidade que se afigura à esquerda, para onde as nove figuras caminham e que as crianças parecer temer, como que observando algo de diferente e assustador. O visionamento da gravura deve ser por isso recomendado, para que não seja esquecida a condição das culturas nativas devido à influência europeia: vazias, desaparecidas, também elas esquecidas. E esta condição não deixa de ser maravilhosamente representada na atitude das crianças, que, puras, pouco experimentadas e inocentes, parecem ver o horror da realidade nova que surge por de trás do arvoredo denso: a realidade da escravatura, que vende vidas como corpos que a não têm, que destrói aldeias tornando-as horrorosas miragens dantescas, que obriga índios a capturar os da própria comunidade.
Afinal, a ironia habita nos mais fortes, não nos mais fracos; e é esta realidade que mais tarde se desnuda e nega o que o pensamento primeiro idealizou, que torna esta imagem soberba, capaz, ao mesmo tempo de criticar e de impressionar de uma forma incrível.

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