Mariana Silva

2021 e a verdadeira ajuda

A 31 de Dezembro de 2019, fazíamos a contagem para o fim de uma década e votos para um promissor ano de 2020, que se revelou não ser mais do que uma página em branco, deveras desordenada, que nos permitiu viver lado a lado com a incerteza. Já dizia o ilustre Luís de Camões, quando os Portugueses de finais de século XV avançavam, audaciosos, numa jornada de longe isenta de riscos, “por mares nunca d’antes navegados”, ultrapassando limites aos quais se julgava ser necessária “mais do que prometia a força humana”. O paralelismo parece ser indiscutível. Ora vejamos: enquanto as gentes de Quinhentos ultrapassavam “perigos e guerras”, ultrapassamos, nós, gentes do século XXI, um ano angustiante, onde perdemos muitos, lutamos muito e, no final das contas, crescemos muito. Desde a pandemia que obrigou a Humanidade a reinventar-se, até a movimentos que visam a evolução humana, em relação aos direitos humanos e ao ambiente, 2020 foi um ano cheio de dúvidas que deixou, seguramente, as suas marcas. É nos momentos difíceis que a humanidade vem à tona. A empatia, a bondade, a solidariedade, o respeito e o amor, que estão presentes na essência de todos nós, tornaram mais amenas existências desafortunadas. É esta miscelânea de sentimentos admiráveis que muda o mundo, sendo, por isso, um sinal de que a Humanidade não está, de todo, perdida. Os acontecimentos que marcaram o ano passado resultaram em grandes mudanças, tanto na forma como pensamos, como na forma como ajudamos. Inseridas neste último tópico, surgiram várias e grandes notícias que continham expressões como “Incongruências do “novo” apoio social” (ECO), “Portugal tem dois milhões de pobres por falta de inclusão” (Jornal de Notícias), sendo estas “vítimas de um desrespeito pelos direitos humanos que nenhum Governo quis resolver” (Jornal de Notícias).

Estas notícias retratavam, de formas diferentes e em contextos diferentes, o mesmo problema: respostas pontuais e assistencialistas, não existindo uma estratégia de combate à pobreza concreta. Falar de pobreza é algo confrangedor, pois é um assunto que não deve ser tratado com leveza. Devido ao seu caráter angustiante e aos enormes efeitos na vida das pessoas e das sociedades, este tema é uma fonte óbvia de questões de cariz moral. No ano de 2020, fomos bombardeados com notícias que refletiam a expectável decadência política e económica e a abrupta violação dos direitos humanos, já que o assistencialismo faz um trabalho intrinsecamente paliativo, resolvendo o “problema” de forma temporária, perpetuando, assim, a existência carenciada e a subserviência. Esta doutrina presta assistência a membros necessitados em detrimento de uma política que os retire dessa condição. Ora, o que todos os sistemas políticos e sociais devem desejar é um mundo perfeito e igualitário, sem preconceitos, sem situações lesivas à dignidade pessoal, nem seres em situação de pobreza. No meu ponto de vista, esta ideologia, denominada Assistencialismo, não passa de uma prática influenciadora, já que através da “gratidão”, os beneficiados ficam numa posição de subordinação face ao titular das atitudes de natureza assistencialista. Porém, a atitude de ajudar, nunca estará em causa, dado que é através de humildes gestos, que se transforma a vida de quem precisa de auxílio. A solidariedade é um dos sentimentos mais nobres e bonitos que a Humanidade pode experimentar, uma vez que atitudes que transbordam bondade e empatia fazem a diferença, transformando a vida de quem mais necessita. Por isso, a meu ver, a assistência social, em detrimento do simples assistencialismo, deve prevalecer, visto que a primeira é considerada um direito humano de excelência, estando, portanto, relacionada com a noção de cidadania e de igualdade, sendo que todos os cidadãos têm igual direito e dever no que toca à participação na sociedade. Na ótica da assistência social, bens, como a alimentação e habitação devem ser oferecidos através de diligências que proporcionem aos seres humanos um local em que seja possível o reencontro do seu caminho, permitindo um lugar na sociedade, enquanto indivíduos portadores de direitos, deveres e com oportunidades. Em suma, o assistencialismo consiste num tipo de caridade que desenvolve um espírito de dependência. Já a assistência social diz respeito a um direito, permitindo o compromisso pela própria vida. O ditado já é antigo: ensinar a pescar, em vez de dar o peixe e negando ao outro o saber, traduz a verdadeira generosidade, pois ensinar as pessoas a trabalhar, de modo a gerarem valores, satisfazendo os seus desejos e necessidades, permite-lhes assumir responsabilidade pela própria vida, pelo próprio sucesso e pela satisfação do Eu interior. Julgo que cada pessoa deve trilhar o seu caminho, sendo os passos de cada um únicos. Porém, não significa que o faça sozinho, pois a solidariedade, compaixão e compreensão são companheiras nessa jornada, devendo estar presentes na vida de todos. Por exemplo, aquando do confinamento, a “nova” geração, em início de vida ativa, criadora de redes de apoio, não ficou presa à ideia de que cabe ao Estado assumir a posição de assessor, nem tão pouco se agarrou ao ceticismo ético sobre o “assistencialismo”. A geração Z não fez petições ou manifestações de apelo à mediação de outro alguém. Apenas cuidou de se salvaguardar, a si e aos outros. A transição do paradigma de sociedade assistencialista para a sociedade de direitos é feita vagarosamente, já que os direitos políticos, civis e sociais de todo o cidadão demoram a consolidar-se, não se concretizando com a urgência que a realidade requer. O sociólogo Alfredo Bruto da Costa sublinha que “O combate da pobreza implica a redistribuição do poder. Pobre é quem perdeu todas as formas de poder. Combater a pobreza é, além do mais, restituir ao indigente o poder que perdeu. Este problema político está, por isso, ligado à satisfação das necessidades básicas”. A pobreza é, infelizmente, um tema contemporâneo, mas convém dizer que, em abono da verdade, esteve sempre omnipresente na História da Humanidade acompanhada de sofrimento. Ao considerar que a pobreza é altamente lesiva para a dignidade humana, pois ultraja os mais fundamentais direitos do homem e do cidadão, só há uma conclusão a reter: a via mais segura, para a irradicação da mesma, será a concretização de estratégias que visam restituir aos seres humanos o posicionamento na sociedade e a responsabilidade pela sua vida. Assim e olhando para um ano novo cheio de promessas e que desejamos não nos traga sobressaltos, sonho que a Esperança, a resiliência e a ajuda ao próximo continuem a marcar as nossas vidas. Não esqueçamos, pois, as doutas palavras de Nelson Mandela “A pobreza foi criada pelo Homem e pode ser removida pelas ações dos seres humanos.”

 

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