Alice Marques | Notícias

Sabias que a China participou na Primeira Grande Guerra com um contingente de 140 mil trabalhadores-soldados, recrutados na província de Shandong?
Provavelmente não. Eu, que sou professora de história há quatro décadas, também não sabia e não me envergonho de o dizer. Mas envergonhar-me-ia se, a partir de hoje, 27 de novembro de 2018, me esquecesse. Graça Sapinho, professora de História na Calazans Duarte proporcionou-me este momento. Integrada numa rubrica que faz parte do projeto do Agrupamento, Rede de Escolas para a Educação Intercultural (REEI) ela preparou, com a turma 9º E e com a professora de mandarim, Chen Chen, uma aula que marca o princípio do fim da narrativa única sobre este e outros temas que serão estudados ao longo do ano.
Como e porquê fez isso?
Partindo da situação concreta de ter na aula um aluno da China, o Jiafu, ela propôs aos alunos o desafio Sabias que…?construindo assim a oportunidade de todos saberem mais, muito mais do que aquilo que vem nos livros portugueses, sobre este acontecimento trágico para milhões de pessoas, cujo fim se comemorou em novembro: a 1ª Grande Guerra. Convidou a professora Chen Chen, fez 90 minutos de pesquisa em aula com os alunos, deu-lhes um questionário claríssimo com indicação der sites credíveis para continuarem a pesquisa em casa, e o resultado foram os alucinantes 90 minutos da aula de hoje. Curiosidade, entusiasmo, participação e uma visão nova sobre a China. Manuela Prata preparou as suas duas alunas, que fazem parte da turma, para participar ativamente nesta aula e foram elas as responsáveis por enunciar os motivos da participação da China na guerra.


Uma aula trilingue, em inglês, português e mandarim, em que ficamos a saber que o governo chinês, que se tinha declarado neutro em relação ao conflito, quando a província de Shandong foi atacada pelos japoneses, em 1916, negociou, com os Aliados, através de empresas fantasmas, uma estratégia de participação, recrutando para a frente ocidental, 140 mil trabalhadores-soldados. Fugindo à miséria que grassava na China, num dos períodos mais difíceis da sua história, a instalação de uma República num país milenarmente imperial, estes milhares de homens, jovens e robustos, acorreram ao recrutamento, por um salário 20 vezes superior ao salário miserável em Shandong. Na Europa, eles trabalharam na construção/reconstrução das linhas férreas, nas docas, construíram trincheiras e limparam os campos de morte na frente de batalha. Eles ajudaram os Aliados a ganhar a guerra. Só esta informação já chegaria para fazer desta aula um extraordinário momento de aprendizagem. Mas houve mais: aprenderam que o filósofo Confúcio era de Shandong, e que tal facto teve, juntamente com outros, grande importância na posição que a China tomou na Conferência de Paz em Paris, em 1919.
A presença da professora Chen Chen tornou ainda possível passar da visão etnográfica da dança do dragão ou dos pauzinhos para comer, ao entendimento da génese destes rituais culturais. E como se não bastasse, uma turma quase estupefacta viu um pequeno vídeo promocional sobre Shandong e ouviram-se muitas vozes sussurrando “eu gostava de lá ir”. Ao longo da aula, em cada diapositivo escrito nas três línguas, os alunos eram convidados a dizer o texto em mandarim. As audíveis dificuldades de todos foram aproveitadas pela professora Graça, para lhes lembrar “as dificuldades do colega Jiafu, exposto diariamente à estranheza da língua portuguesa e dos conteúdos das disciplinas”. E a aula não terminou sem antes todos sermos colocados perante o desafio de escrever duas palavras em chinês.


No final da aula, Chen Chen disse ao P&V que também ela tinha reaprendido muito sobre este acontecimento da história da China, porque teve de voltar a estudar o assunto, o que já não fazia desde a sua adolescência. Foram “3 horas de trabalho, sem contar o tempo em que reuni com a professora Graça ou trocamos ideias através do correio eletrónico”.
Graça Sapinho trabalhou 20 horas para preparar esta aula, mas o entusiasmo dos alunos e a satisfação de todos no final “foi muito compensadora”, disse ao P&V. Eu, que estava ali com a missão de repórter, fui também uma aluna atenta. Quando me sentei para escrever esta peça informativa, passaram-me pela cabeça, à velocidade da luz, 40 anos de professora de história. Mas esta aula, não porque foi há pouco e ainda está fresca, mas porque foi realmente outra narrativa, deixou-me a pensar: sabemos tão pouco!

Design by JoomlaSaver