Diogo Heleno


A História é injusta
Atravessando no mapa uns 15 centímetros chegamos à Venezuela, país vibrante da América do Sul ali estendido entre os paralelos de 0.º a 12.º em latitude norte, o que faz do mesmo um país norte-hemisférico. E tal como há como que uma enantiose no país do norte que é simultaneamente do sul, existe a oposição de dois grupos divergentes nesta Venezuela – as multidões que, desesperadas, sofrem diariamente com um cenário fruto das feridas abertas criadas pelo regime opressivo do presidente Nicolás Maduro, que em muito estende a má (mas não suficientemente má) imagem fornecida pelos media de um povo a morrer à fome e sem capacidades para comprar sequer uma embalagem de medicamentos; e por outro um governo imparcial e negligente a uma situação à beira de desastroso fim.
Foi neste país, outrora bem diferente, que a 10 de julho de 1926, nasceu Argelia Mercedes Laya López, em San José del Río Chico, numa plantação de cacau, filha de Rosário López e Pedro María Laya: educadora afro-venezuelana e ativista dos direitos das mulheres. Argelia Laya foi a primeira mulher a falar abertamente do direito de uma mulher ter filhos fora do casamento; do direito de estudantes e professoras poderem frequentar a escola, independentemente de estarem grávidas; ou da obtenção do aborto, defendendo a descriminalização do mesmo.
Mercedes graduou-se como professora em 1945 e, no mesmo ano, um golpe de estado que derrubou o regime do presidente Isaías Medina Angarita enviou-a a La Guaira para trabalhar numa campanha de alfabetização. Em 1946, Argelia cofundou a Organização Nacional da União das Mulheres, liderando de forma incansável a defesa dos direitos femininos, tendo conhecido alguns dos revolucionários mais famosos do século XX, tais como Mao Zedong, Ho Chi Minh ou Fidel Castro.
Argelia morreu a 27 de novembro de 1997 (com 71 anos), na cidade de Caracas. Por toda a Venezuela existem programas e políticas relacionadas com o seu nome.
Vanguardista na defesa da igualdade de género, ativista indefesa por combater contra a discriminação entre homem e mulher, Argelia Mercedes Laya é um rosto incontornável da história revolucionária da Venezuela.
Este rosto é testemunho de quão quadrada e atardada a dita modernidade contemporânea pode ser. Ainda no século XX, esta mulher, que viveu não numa época não muito distante, espelhou na sua biografia o combate à discriminação feminina e a luta pelos direitos e igualdade de género. Se Gandhi disse “Se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova”, a discriminação que existia e que foi combatida durante anos por mulheres como Argelia Mercedes Laya deveria deixar de existir; a desigualdade económica de países como a África do Sul, Namíbia, Haiti, Botsuana ou Lesoto não deveria ser tão extraordinariamente elevada; o Iraque, Afeganistão, Nigéria, Síria e Iémen não deviam ser conhecidos como os países onde mais vidas são perdidas para o terrorismo; nem o Sudão do Sul, a Somália, o Burundi ou a Birmânia pela falta de alimentos, cujos dados da ONU apontam para 25,8 milhões de pessoas necessitadas.
Afinal, se a História é injusta, mais injustos somos nós que a criamos todos os dias.

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