Anastasia Khimich

“Não podia resmungar, simplesmente tive que me habituar e aceitar. “

Olivith Jorge, 18 anos, natural de Angola, frequenta desde o ano letivo 2016/2017,o Curso Profissional de Técnico Auxiliar Protésico Dentário na escola secundária Calazans Duarte. É a nossa entrevistada da edição de maio do P&V.
Anastasia Khimich: Porque escolheste esse curso?
Olivith Jorge: Porque eu gosto e porque estive noutro curso e tive dificuldades.
AK: Qual foi o outro curso em que estiveste?
OJ: Ciências e Tecnologias.
AK: Tiveste dificuldades em quê?
OJ: Eu acho que foi mais em adaptação, porque se neste momento eu voltasse eu penso que conseguiria. Mas como foi tudo novo para mim (o modo do ensino), por isso é que foi complicado.
AK: Porque vieste para a Marinha Grande?
OJ: Em principio era para estar na Alemanha, porque a minha mãe vivia em Lisboa e era mais fácil ir para Alemanha, a partir de Portugal do que de Angola. Mas como eu habituei-me aqui acabei por ficar. Vim para a Marinha, uma vez que era o único sítio onde eu tinha uma parente, que era a minha tia. A minha mãe acabou por ir viver para a Alemanha.
AK: E o teu objetivo ainda é ir para a Alemanha?
OJ: Bem, eu fiquei aqui e adaptei-me. Achei uma boa ideia acabar a escola cá e depois… a faculdade ir fazer lá.
AK: Qual foi a maior dificuldade que enfrentaste na escola?
OJ: O modo de ensino e a carga horária. Em Angola o horário é mais leve. Em relação ao ensino, é diferente, porque os professores cá falam mais e os alunos não. Em Angola, tanto os professores como os alunos falam muito sobre a matéria durante a aula. E também escrevem mais lá.


AK: Como tens conseguido ultrapassar essas dificuldades?
OJ: Tive que me habituar e entender que estou num sítio diferente. Não podia resmungar, simplesmente tive que me habituar e aceitar.
AK: Tens amigos na turma?
OJ: Sim. No início era muito complicado. No curso de ciências receberam-me melhor. Talvez isso possa ter a ver com o facto de agora só ter um rapaz na minha turma. Eu queria que eles entendessem que era tudo novo para mim e que não seria da noite para o dia que eu iria me acostumar a tudo. Elas não me compreendiam e reclamavam. No ano passado elas diziam que eu era muito séria, mas agora já dizem que sou muito brincalhona. Isolei-me muito no ano passado, visto que não me sentia bem-vinda.
AK: A tua turma é a turma que tem várias nacionalidades, certo?
OJ: Sim, tem indianas, chinesas, angolana e portuguesas.
AK: E tens amigos na escola?
OJ: Sim, de outros cursos.
AK: Como é que se conheceram?
OJ: Conheci alguns da aula de espanhol e outros no andebol.
AK: Achas que os colegas te discriminam por seres estrangeira?
OJ: Não. Elas me discriminavam mais por eu achar que era tudo diferente. Eu não queria aceitar e queria me manter no meu modo. Elas queriam que eu me adaptasse logo, só que eu precisava de tempo. Eles pensavam que esta atitude que eu tinha era porque eu achava que eles tinham racismo comigo, mas já esclarecemos isso.
AK: As raparigas e os rapazes portugueses são diferentes dos do teu país? Em quê?
OJ: Muito diferentes! Para começar o comportamento que um aluno tem em relação a um professor é completamente diferente. Aqui existe mais liberdade, que para mim às vezes parece mais uma espécie de indisciplina. Aqui os jovens deixaram de ter vergonha e mostram muito a sua privacidade numa relação. Não preservam a sua intimidade. Exibem-na publicamente na escola. Essas são algumas diferenças que me espantam. As vantagens… eu acho que aqui são mais amigáveis. Suponhamos se houver um aluno com um rosto meio que triste, até alguém que não o conhece chega lá e pergunta o que se passa. Parecem mais interessados nos outros.
AK: E os professores?
OJ: Aqui os professores têm a tendência de ouvir mais os alunos. Lá, se um professor disser que é assim, assim será; já aqui os professores querem saber muito da opinião dos alunos.
AK: Fora da escola, como ocupas o teu tempo?
OJ: Antes jogava andebol, mas agora, como mudei de curso, fiquei sem tempo. Como vivo com a minha irmã, às vezes, costumo cozinhar. Quase nunca tenho tempo para mim, porque como estou num curso profissional, estamos sempre a repor as aulas e isso tira-me todo o tempo livre que eu podia ter. Aos fins-de-semana tenho hora de estudo, hora de estar na internet e hora para passar tempo com os meus irmãos.
AK: Vives com os teus irmão ou só com a tua irmã?
OJ: Vivo com os dois. Com a minha irmã de 22 anos e o meu irmão de 14.
AK: Quais são as maiores diferenças entre a terra onde nasceste e a Marinha Grande?
OJ: Acho que aqui é mais urbanizado. Lá em Luanda, eu não vivia bem no centro, porque o meu pai é uma pessoa que gosta de lugares calmos. Por isso vivíamos num município que fica perto de uma praia, onde não há muita confusão. O meu pai trabalha no centro, mas ele prefere viver distante da confusão do centro da cidade. Algo que aqui na Marinha é muito raro ver é a terra, ou seja a natureza. Lá, numa viagem de 2h é possível ver muita savana e árvores, já aqui é tudo mais cultivado, não há muita natureza natural, mas há muita plantada pelos seres humanos. Existem mais poeiras lá e também há muito lixo. Em relação à comida, em Angola comemos mais verduras. O estranho é que as coisas que lá são baratas, aqui são muito caras e vice-versa. Por exemplo, a carne lá é muito cara, já o marisco é muito mais barato do que aqui.

AK: Em relação a pobreza, vê-se mais lá ou aqui?
OJ: Vê-se mais lá, principalmente nas crianças. E lá quase todas as casas têm uma árvore. Nós lá dizemos a “árvore de sombra”, porque Angola é um país que tem muito sol e utilizamos a árvore como um lugar para estar à sombra.
AK: Estás a pensar em voltar para a tua terra um dia destes?
OJ: Sim, mas só para rever os familiares e matar as saudades. E a terra em si… poder sentir aquele cheiro da terra!
AK: Pretendes continuar os estudos numa universidade portuguesa ou pensas ir trabalhar quando terminares o secundário?
OJ: Pretendo trabalhar e estudar, mas só sei isso depois de ver os resultados dos exames. Se tudo correr bem eu vou para a Alemanha.
AK: Pretendes ficar em Portugal e arranjar aqui a tua própria família?
OJ: Eu quero a minha própria família em Angola. O que as circunstâncias podem fazer é obrigar-me a ficar em Portugal. Mas a minha mãe quer que o meu futuro seja na Alemanha. Então não posso dizer nada com certeza.
AK: Vieste de Angola, que foi uma colónia portuguesa até 1974. Ainda há muitos portugueses em Angola?
OJ: Há muitos, mesmo. Mas mais velhos, com mais de vinte e muitos anos. Acho que são pessoas que foram para lá já há muito tempo e fizeram as suas famílias lá, principalmente em Benguela.
AK: Na tua opinião, qual é o sentimento que os angolanos têm em relação aos portugueses?
OJ: Entre os jovens existe sempre alguma tendência em os rapazes quererem ter mulheres brancas. Os angolanos acham que os portugueses são mais exigentes em relação aos angolanos. E, também, há certos angolanos que têm mais aquela ignorância com os portugueses, por serem os colonizadores. No fundo, quero dizer que ainda há angolanos que acham que os portugueses se comportam como colonizadores, têm a mania de superioridades.
AK: Aqui em Portugal sentes-te portuguesa ou angolana?
OJ: Sinto-me angolana, mas quando eu falo com as pessoas de lá, eles dizem que o meu sotaque mudou muito. Não me sinto portuguesa e acho que ainda falta muito.
AK: Estas numa turma da escola que tem muitas estrangeiras. Achas que as colegas portuguesas fazem alguma discriminação das estrangeiras?
OJ: Acho que sim.
AK: Em Angola fizeste que escolaridade?
OJ: Até ao nono ano.
AK: Em Angola estudaste história, certo? Estudaste a história do colonialismo português?
OJ: Sim, estudei.
AK: Tinhas uma disciplina de Língua Portuguesa?
OJ: Sim. E é diferente, porque em Angola estudam mais gramática. Aqui estudam mais a literatura, a minha irmã já chegou a estudar “Os Maias”.
AK: Estudaste escritores portugueses ou os angolanos?
OJ: Estudei Camões, mas também José Eduardo Agualusa e Pepetela.

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