Jorge Alves

Ludwig van Beethoven: 16 de dezembro de 1770 / 16 de dezembro de 2020 – 250º aniversário do seu nascimento

Um dos aspetos que, nosso atual sistema de ensino, ainda me provoca algum desânimo e desalento é a pouca atenção que se dá aos valores da nossa cultura, tanto no que diz respeito aos valores da nossa identidade como portugueses, assim como àqueles que nos definem como pertencentes a um determinado universo cultural assentes num conjunto sólido de representantes que, ao longo dos tempos, foram moldando o nosso pensamento, definindo uma singularidade a que poderemos chamar civilização. Entristece-me quando, ao perguntar aos nossos alunos o que é que eles entendem como valores da nossa identidade cultural, eles pouco mais são capazes de referir do que o futebol e Cristiano Ronaldo. Se excetuarmos o que se tenta fazer na disciplina de português ou nas disciplinas mais específicas de história das artes, ou afins, pouca atenção é dada aos grandes valores que, ao longo da nossa história como seres humanos vêm moldando o nosso saber e a forma como interpretamos a nossa arte. Vem isto a propósito da pouca atenção que tem sido dada aos grandes músicos que, para além da arte dos sons, intervêm nas grandes linhas do pensamento humano, tornando-se assim, através da sua arte, autênticos filósofos e pensadores. Vejamos, por exemplo, o caso de Ludwig van Beethoven, cujos 250 anos do nascimento celebrámos no passado dia 16 de dezembro. Desde cedo este músico singular foi considerado genial, o que fez com que o seu progenitor, desde a idade de cinco anos o forçasse a fazer árduos estudos musicais, o que tornou este jovem não só um virtuoso instrumentista, mas um verdadeiro génio de ousadas invenções harmónicas e melódicas, sendo logo, desde muito jovem, aceitado pelos grandes mestres vienenses da época, que o celebraram pela sua originalidade e pela audácia das suas criações. Desde muito novo, as suas sonatas para piano foram notadas, mas talvez tenha sido nas suas sinfonias que o seu génio se tenha elevado a um grau de maior sublimidade: Logo na sua sinfonia nº 3, conhecida pelo nome de “Heroica”, os traços vanguardistas foram evidentes, não só por se manifestarem nela os ideais libertadores da república nascente (diga-se que, inicialmente, esta obra tinha sido dedicada a Napoleão, dedicatória retirada pelo compositor quando aquele se autonomeou imperador), como pelo arrojo sinfónico desta peça, demorando mais do dobro do tempo na sua execução do que qualquer outra sinfonia até então criada, mesmo contando com as marcantes composições sinfónicas de Heidn e Mozart, entre outros. Mas a obra mais marcante, tanto pelo seu arrojo como pela sua rebeldia, terá sido a quinta sinfonia: uma composição que se desenvolve a partir de quatro notas impetuosas que, com múltiplas variantes, se combinam infinitamente, tendo esta simples sequência musical provocado inúmeras interpretações, já que o verdadeiro motivo que a terá originado se terá perdido nas brumas incertas que compõem a biografia, ou as várias biografias, deste tão prolixo compositor. Para mim, essas quatro notas levam-me à infância, a indicativos de programas de rádio, a outras memórias vagas e, talvez, à certeza de que esta tenha sido a primeira sinfonia que eu tenha ouvido integral e mais conscientemente, tanto nas ondas radiofónicas, como em velhos discos bastante picados de vinil, assim como em concertos a que tive o privilégio de assistir. Para mim, sem dúvida, a quinta de Beethoven é a sinfonia. Mas, não podemos deixar esquecidas todas as outras; todas diferentes, todas geniais e todas cheias de originalidade. E, para não ser demasiado exaustivo, não quero deixar esquecida, neste tempo em que tanto nos preocupamos com o meio ambiente e com a preservação da natureza, a sexta sinfonia, a “Pastoral”, onde o músico nos deleita com uma visão bem idílica e harmoniosa do mundo que nos rodeia. Contudo, nesta minha deambulação pela obra de Beethoven, não poderei esquecer aquela que, construída já numa fase avançada da sua surdez, é, pela sua majestosidade e imponência, será a sua sinfonia mais conhecida e também a mais original: não só introduziu nela a voz humana, com um coro sinfónico e quatro solistas, como incluiu momentos de quase absoluto silêncio, porquanto, segundo Beethoven, este também faz parte da música. Para além disso, o poema que se canta no seu quarto andamento, apesar de ser conhecido como o “Hino à Alegria”, e, na verdade, um hino à liberdade, palavra que foi expurgada do poema original de Friedrich Schiller, pela férrea censura da época. É bom relembrar este facto, nesta época em que cada vez se trata pior essa liberdade pela qual tantos lutaram, inclusive com a própria vida. E se as notas desse “Hino à Alegria” foram, com toda a justiça, escolhidas para hino desta União Europeia em que vivemos, é bom que aqueles que dirigem esta organização não esqueçam os valores que inspiraram tanto o compositor desta obra única como o poeta dos seus versos. É por essa mesma liberdade e pelos valores fundamentais da república que que venho lembrar a celebração dos duzentos e cinquenta anos do nascimento deste genial compositor, mas também do filósofo e pensador, cujo génio musical, após ele, dificilmente terá sido igualado.

 

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