Isilda Silva | (in)flexibilidades

Dizem os entendidos que todo o ato repetido mecanicamente sem o filtro da (auto) crítica se designa por princípio da insensatez . E sabemos todos que a gramática da escola, não obstante a adição de novos conceitos na superestrutura legislativa, continua a incluir localmente expressões e modos de atuação absurdamente inconsistentes com o referencial que lhes serve de base.
Dessa nova gramática, estão hoje na moda os conceitos de autonomia e de flexibilidade curricular. Fala-se de ‘gestão flexível das matrizes curriculares-base das ofertas formativas’ e de ‘gestão flexível do currículo’; diretores e estruturas intermédias de escolas são chamados a fazer uso da autonomia, tomando decisões contextualizadas, flexíveis e adaptadas às realidades de cada escola. Fala-se em retenção [quase] zero; e todos sabemos que a autonomia e a flexibilidade visam a melhoria da qualidade do ensino e das aprendizagens dos nossos alunos.
Posto isto, o que falta ainda para tornar coerente a gramática escolar?
Vejamos, relativamente ao processo de implementação de [novas] estratégias de ensino-aprendizagem: se se aplica uma estratégia e com ela são excluídos ou retidos alguns alunos e se se insiste na receita outra e outra vez; se, deste processo se conclui que a responsabilidade da exclusão ou é dos alunos que não estudam ou dos pais que não acompanham os filhos, ou um mix dos dois em graus diferentes consoante os casos, das duas uma: ou alunos e pais são pessoas totalmente descrentes no sistema e na sua gramática [e subliminarmente sabemos que não é o caso] ou faltam-nos indicadores para perceber a neutralidade e alcance do ângulo de análise de [alguns] professores.


Já em relação ao processo de implementação das medidas: quando em 6 de julho último, o Ministério da Educação (ME) publica os DL n.º 54 e n.º 55, precisamente num período de grande efervescência reivindicativa e de grande intensidade de trabalho para a grande maioria dos professores; quando os mesmos normativos legais implicam alterações estruturais substantivas na organização e gestão das escolas com efeitos [quase] imediatos, das duas uma: ou o ME pensa que os professores têm superpoderes, ou estamos perante mais um Milagre das Rosas.
Dizem os entendidos que na altura do «verdadeiro milagre» o rei acreditou na rainha-santa. Foi sensato, diríamos. Só que, hoje em dia, mesmo os mais entendidos têm dificuldade em acreditar em milagres, embora todos saibamos que existem, de facto, superpoderes na nossa profissão. E isto não é ironia. É, antes, o reconhecimento de que os superpoderes advêm [quase] todos da sensatez!

 

(1) A expressão ‘princípio da insensatez’ foi adaptada a partir de uma expressão utilizada no XIV Congresso dos CFAE que teve lugar em outubro de 2018, pelo Secretário de Estado da Educação, Dr. João Costa.

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