Rubrica: Histórias Perdidas… |Santiago Pedrosa, aluno (10º C) e investigador autodidata
Histórias Perdidas… Marinhenses na Primeira Guerra Mundial
No passado dia 11 de novembro, comemorou-se o 105.º aniversário do armistício da Primeira Guerra Mundial.
Esta guerra, que durou quatro anos, 1914-1918, foi combatida fundamentalmente por homens aliados às suas armas e com o apoio de artilharia e cavalaria, essencial nos primeiros dois anos da guerra. Apenas nos anos de 1916 e 1917 se viram os primeiros combates entre tanques e aviões, pois esta foi uma guerra de grandes avanços tecnológicos. No final de 1918, impérios tinham sido divididos, novas políticas criadas, ocorreu a substituição da maioria das monarquias por regimes mais democráticos e houve o surgimento da Sociedade das Nações, antecessora da ONU.
Eram portugueses comuns, mas ousados, de grande valor e dotados de um enorme espírito patriótico que foram para as trincheiras da frente, entre o inverno de 1916 (1917 na França) e o outono de 1918. Destes soldados, falar-vos-ei apenas de dois conterrâneos, visto que seriam necessárias várias páginas, para contar apenas parte das histórias individuais dos 94 marinhenses, que no início de 1917, embarcaram rumo à França, fazendo parte do CEP (Corpo Expedicionário Português).
- João Teodósio dos Santos, nasceu no dia 11 de novembro de 1896, no lugar das Figueiras, freguesia da Marinha Grande, sendo filho de António Teodósio e Maria Joana, ambos da Marinha Grande, onde tinham casado 6 anos antes. Segundo o seu boletim individual, embarcou a 25 de setembro de 1917 fazendo parte do 1º Reforço de Campanha, na posição de Primeiro Cabo. Ficou ferido a 26 de setembro de 1918, sendo evacuado, no dia seguinte, para o hospital militar. Finda a Guerra, embarcou a 28 de março de 1919 com destino a Portugal, onde chegaria 3 dias depois. Após chegar, retornou à Marinha Grande, onde veio a casar com Maria Jerónima, constituindo família no lugar da Embra. Foi bem recebido e não ficou com sequelas após a guerra, conseguindo integrar-se na sociedade facilmente, de acordo com testemunho da neta Maria Fernanda. Veio a falecer com 74 anos, a 14 de julho de 1971.
- Jacinto Pereira Roldão, nasceu no dia 5 de novembro de 1892, no lugar e freguesia da Marinha Grande, filho de Francisco Pereira Roldão, oficial de vidraça e de Maria Rosa Pereira, ambos naturais da Marinha Grande. Casou a 5 de outubro de 1916 com Rosa da Conceição Pereira. Embarcou a 16 de janeiro de 1917 para a França, no posto de 1º Cabo da Companhia 4, da Unidade Territorial 7 do 2º Batalhão. Foi ferido em combate várias vezes, segundo o seu boletim individual, onde consta que foi louvado pois “estando no posto de observação ‘Minho’ no dia 21 de janeiro findo (1918) não o abandonou apesar deste estar a ser bombardeado”. Consta que teve descendência e ficou viúvo no dia 7 de abril de 1952. Veio a falecer na Marinha Grande a 19 de setembro de 1963.
Na Marinha Grande, embora não percebamos, ainda há muitos marinhenses a honrar os seus valorosos antepassados, como por exemplo, na comemoração anual do armistício, que geralmente ocorre junto ao monumento aos mortos da Grande Guerra, da autoria de Alberto Nery Capucho, sito na Av. Dom Dinis onde foi inaugurado a 9 de abril de 1935.
Os soldados portugueses, que sobreviveram aos meses após a guerra (muitos morreram nos meses seguintes, em consequência do conflito), conseguiram integrar-se na sociedade (o que não se verificou anos mais tarde, com a Guerra do Ultramar), mesmo após o seu serviço. Isto deve-se ao simples facto de, felizmente, não terem estado na linha da frente durante muito tempo. Uma das grandes batalhas que os portugueses combateram foi a Batalha de La Lys, em abril de 1918. Esta impactou negativamente a história militar de Portugal, constituindo das nossas principais derrotas, desde Alcácer-Quibir em 1578, ceifou várias vidas e tornou muitos homens heróis, na sua maior parte anónimos, contudo, um nome sobressaiu: Aníbal Augusto Milhais, o soldado “Milhões”. Após La Lys, os portugueses seriam substituídos por americanos, passando a ocupar posições de artilharia até ao fim da guerra.
O impacto psicológico, a nível nacional, não foi muito forte, mas foi colossal tanto para aqueles que sobreviveram como para as famílias dos que não voltaram. É digno de destaque o Regimento de Infantaria nº 20 de Guimarães, que num só dia (9 de abril de 1918) viu o seu número reduzido em 300. A um nível mais amplo, milhares (se não milhões) de jovens sofreram, quer psicologicamente, quer fisicamente. Os soldados (principalmente franceses e ingleses) que, no decorrer da guerra, ficaram mutilados eram discriminados, às vezes, pelas próprias famílias e não conseguiam ter uma vida normal. Muitos tinham uma vida de exclusão social, para evitar a vergonha de sair à rua. Para ajudar estes soldados, a cirurgia plástica avançou muito nos anos seguintes à guerra, o que levou ao aparecimento de clínicas especializadas nesse assunto. Nelas trabalhavam cirurgiões, dentistas, fotógrafos e artistas (para fazer as próteses, caso necessário). A nível psicológico o apoio também não foi o melhor. Os médicos de combate dependiam dos soldados para identificar os comportamentos estranhos uns dos outros. Uma vez identificados, os soldados eram retirados da linha da frente e diagnosticados com “Shell Shock” como era conhecido o stress pós-traumático. Os soldados que desenvolveram problemas psicológicos eram muitas vezes chamados de covardes e, quando chegavam aos hospitais, muitos eram deixados à sua mercê, para melhorarem por si próprios. Apenas nos anos 80 se descobriu e começou a investigar o stress pós-traumático, ajudando assim os novos soldados, mas deixando para trás gerações de combatentes que sofriam desta doença. Heróis que em vez de serem tratados, como hoje em dia acontece, foram deixados abandonados com os seus pensamentos, não recebendo sequer indemnizações pela sua incapacitação. A retribuição que tiveram quando voltaram da frente da batalha foi serem considerados “mortos-vivos”, em hospícios esquecidos por tudo e todos.
Guerra é guerra, e não traz vantagens para nenhum dos lados. Com os eventos atuais é impossível não os relacionar com este conflito. Em 1918 havia ainda um senso de tratar o inimigo como um ser humano, embora já se ouvissem frases como “um bom soldado não vê o inimigo como um ser humano, vê-o como um animal”. Estamos perante novos cenários de guerra; no entanto, afrontamentos novos não trazem novos problemas, trazem problemas antigos. Aquilo pelo qual os soldados de 1918 lutaram, a paz, ainda não foi concretizada. A Guerra que acabaria com todas as outras, aconteceu há mais de 100 anos e mesmo assim ainda há conflitos por todo o globo. Talvez os soldados atuais não sejam tão diferentes daqueles das trincheiras. Ambos combatem, não por ódio aos soldados inimigos, mas porque ali foram postos a lutar para sobreviver, por politiquices de homens que discordam uns dos outros, e que dormem sem se preocupar sobre se vão sobreviver um dia mais, sem se preocupar pelo bem da sua família, sem se preocupar pelos homens que mandaram para combater.
(fotografia retirada de "Ilustração Portuguesa", Nº578 de 19 de Março de 1917)