Alice Marques


“O entusiasmo é bom porque eleva o espírito, mas crítica é melhor (ainda) porque o esclarece” (Antero de Quental)
Isto escreveu o filósofo e escritor português há cerca de um século e meio, referindo-se às revoluções. Recorro aqui à citação a propósito das Jornadas Pedagógicas do Agrupamento de Escolas Marinha Grande Poente (ler Jornadas Pedagógicas).
A quantidade e o nível da informação trazido às jornadas pela Prata da casa, quer literal quer simbolicamente, desencadearam, nalgumas professoras, uma verdadeira tempestade cerebral. As intervenções da “assistência” são testemunho disso.
Uma noite bem ou mal dormida sobre o assunto trouxe os professores de volta às suas rotinas pedagógicas. Na manhã seguinte, atravessei os corredores da Calazans, espreitei as salas de aulas e em todas elas vi a escola de sempre: duas dúzias de meninos e meninas, sentados em fila, cada uma tendo à sua frente as costas de um/uma colega, olhando para o quadro, onde o professor/a professora zelosamente registava informação.
Eu, que fui uma das vítimas da tempestade cerebral durante as jornadas, fui forçada a pedir emprestado o pensamento de Antero, e decidi fazer o rescaldo dando voz aos colegas que fui encontrando na manhã seguinte.

  
Madalena Silva, que “gostou muito dos testemunhos das colegas”, sente-se “angustiada” quando pensa nas “alterações a pôr em marcha.” Isabel Correia gostou em particular da intervenção da Manuela Prata e, porque já a conhece, “não estava à espera de outra coisa”. Dos testemunhos das colegas deixou-a satisfeita pensar que “também nós pomos em prática algumas daquelas coisas”, embora reconhecendo que “não sistematicamente”. Apreciou em particular “a serenidade com que aqueles alunos parecem estar na escola”. António Santos pareceu estar ainda na transição entre o aplauso e a crítica, ao resumir a sua opinião: “gostei de conhecer realidades de outros países”.
Helena Catarino, ainda abalada pela avalanche de informação, mostrou-se preocupada com “a quantidade de documentos que deve ler”. Por outro lado, mostrando já uma recuperação da consciência crítica, afirmou: “acho que nós fazemos algumas daquelas coisas, mas nem as valorizamos, ou nem nos damos conta”. A autonomia que, pelas imagens, reconheceu naqueles alunos, foi o que mais apreciou. Mas, na sua opinião, “isso não se aprende só na escola, o papel das famílias, em casa, é determinante”.
Alice Madeira, ainda sob efeito do peso esmagador das “novidades”, foi clara: “ eu acho que alguns de nós já estamos muito velhos para tantas mudanças”. Recordou tentativas de “reformas anteriores”, em que houve mudanças e tudo ficou na mesma, e, cautelosa, foi dizendo: “mas desta vez acho que está tudo mais estruturado, por isso talvez alguma coisa mude”.
Fátima Carvalho, uma das colegas que trouxe às jornadas o seu testemunho sobre a Islândia, foi serena: “nada disto é novo, estive a fazer planificações, consultei orientações dos anos 90 e já apontavam para isto”.
Agostinho Oliveira, que tem no seu currículo profissional duas décadas em Inglaterra, gostou sobretudo de ouvir aqueles testemunhos. Mas diria que, “quase tudo o que não depende do fator humano, não é realizável”. E, de lembranças postas na Inglaterra, foi elencando: o espaço, o número de professores numa sala de aulas, que podem ser 3, 4…a pouca burocracia”, contrasta com o regresso à sua realidade aqui e agora: “vejo colegas que já estão com um nível de stress enorme, começam o ano já esgotados…”.
Isabel Brás não embandeirou em arco. Foi clara, objetiva e humilde no seu comentário. “É muita informação para assimilar, precisamos de tempo para aprofundar, refletir. Não podemos simplesmente transpor as práticas dos outros países para os nossos contextos, são realidades culturais diferentes, precisamos de ter isso em conta.” Apreciou em particular o testemunho sobre uma escola da Alemanha: os alunos com as tardes ocupadas com aprendizagens que tornam as pessoas mais autónomas…como cozinha, carpintaria…!
A mim, impressionou-me saber que na Finlândia, além da exigência académica de mestrado para todo os níveis de ensino (exceto o pré escolar), dos professores que se candidatam aos lugares apenas 10 a 15 % conseguem entrar! Desconhecendo totalmente os critérios para além do grau académico, este processo seletivo deu-me algumas horas de insónia! Ainda que o diretor tenha tentado apaziguar a minha ansiedade, dizendo: “Os finlandeses têm o princípio de que a educação deve ter só professores de excelência, porque é o dinheiro dos impostos dos cidadãos que paga os seus salários”. E em Portugal não é, senhor diretor?!

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