Ilda Martins | Voltei à Escola

Como descrevo na minha história de vida, devido a vários acontecimentos marcantes no meu percurso, alguns dos meus sonhos de criança não se concretizaram. Nomeadamente a possibilidade de ter continuado a estudar. Apesar de referir que não era uma aluna muito aplicada, tinha, na época, uma boa capacidade de memorizar a matéria e, como foi o caso no processo RVCC, se fosse incentivada, tenho a plena convicção de que teria feito pelo menos o 12º ano. O que me permitiria decidir o meu futuro de uma forma mais consciente, uma vez que teria outras ferramentas que me ajudariam a tomar decisões. A possibilidade de estudar à noite, há vários anos atrás, também não foi uma opção, em virtude da atividade profissional que tive durante mais de 20 anos não proporcionar um horário que fosse compatível com o estatuto de trabalhador estudante.
Felizmente surgiu o programa das novas oportunidades (agora chamado Qualifica) direcionado para a certificação escolar dos adultos quem não concluíram na juventude, as suas várias etapas, que no meu caso foi o ensino secundário. O facto de não ter concluído o 12º ano deixou-me um vazio pessoal e felizmente esta oportunidade que me foi dada ajuda-me a sentir mais realizada, para superar novos desafios, quer seja em termos profissionais, quer seja a nível social, e em termos pessoais é muito gratificante atingir este objetivo. Sei que o processo é desafiante e com um elevado grau de dificuldade, isto porque quem deixou de estudar há cerca de 40 anos, e se viu arredado do ambiente escolar, tem que se adaptar às novas circunstâncias. Apesar de tudo, vivemos na era das novas tecnologias, que me permitem aceder a vários sites e com essa informação poder completar de uma forma mais estruturada a abordagem dos temas necessários para a validação dos vários DR (s), relativos à Cidadania e Profissionalidade, Cultura, Língua e Comunicação e Sociedade, Tecnologia e Ciência.
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Outro dos acontecimentos mais marcantes da minha pré-adolescência foi a vivência do 25 de Abril de 1974. Nessa quinta-feira primaveril, a minha rotina escolar foi alterada em virtude de nesse dia não haver aulas. Em minha casa, os meus pais, que viviam no meio ambiente operário fabril, tinham uma pequena noção daquilo que se estava a passar, embora estivessem apreensivos visto que ninguém sabia o que iria acontecer. Felizmente o 25 de Abril foi conhecido mundialmente como “Revolução dos Cravos”, por não ter havido derramamento de sangue, e o povo, ao aperceber-se dessa feliz situação, saiu à rua de braço dado com os militares. A revolta dos capitães contra a guerra colonial originou o derrube do regime. Esse movimento foi designado com a sigla MFA (Movimento das Forças Armadas). No dia seguinte, em 26 de abril, deu-se a libertação dos presos políticos das prisões de Peniche e Caxias, conforme é documentado em registos históricos da época, transmitidos pela RTP, situação que ainda hoje, ao rever essas imagens, me deixa bastante emocionada, pois foram pessoas que abdicaram da sua vida pessoal e familiar para se dedicarem a uma causa. Foram perseguidos pelo regime, em virtude do seu combate na clandestinidade contra a ditadura. Outros homens e mulheres também foram atormentados e presos sem culpa formada, só porque tinham a coragem de criticar o sistema vigente. Normalmente, essas detenções eram reflexo de um grupo de informadores do regime, que se encontravam infiltrados por toda a sociedade, mas o foco era em locais onde as pessoas se poderiam organizar, como em fábricas ou em grandes latifúndios, principalmente nas regiões alentejanas.
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Este tema contempla um elevado grau de complexidade…
A Holanda foi o primeiro país do mundo a consagrar a eutanásia, ou seja, a despenalização da morte assistida. No entanto, existem claras restrições, para que esse procedimento possa ser concretizado. Só pode ser feito nas seguintes condições: quando a pessoa sofra de doença incurável, seja vítima de dores insuportáveis e também quando o quadro clínico do paciente não permita antever melhorias do seu estado de saúde, em que, a cada dia que passa, a situação seja cada vez mais degradante para viver. Contudo, essa decisão não pode ser tomada se o paciente não estiver na plenitude das suas capacidades mentais. Depois da Holanda, seguiram-se outros países a adotar o mesmo tipo de lei, tais como: Suíça, Bélgica, Luxemburgo, Alemanha, Colômbia, Canadá e em 6 estados Norte-americanos.
Só que este tema contempla um elevado grau de complexidade em todas as suas vertentes. Na minha opinião será um assunto que a maioria dos atores da sociedade, políticos, médicos, comunidade científica, igreja e toda a comunidade irá, sempre que possível, adiar a implementação. Mesmo um referendo sobre este assunto será sempre de uma enorme responsabilidade. Neste tipo de debate que tem de ser sempre aberto a toda a sociedade, não tenho uma opinião formada, sem ouvir todas as opiniões, com os prós e os contras.
Considerando-me uma pessoa com bom senso, só poderia tomar partido, a partir do momento que soubesse como é que todo o processo seria aplicado. Sabemos que há fatores religiosos, culturais e deontológicos, como o caso da existência de património por parte do doente e dos interesses associados. Apesar de a Holanda ter dado o pontapé de saída, na implementação da eutanásia, ou da morte medicamente assistida, uma boa parte dos países europeus vai no sentido contrário. Investem na melhoria dos cuidados paliativos, para proporcionarem aos doentes terminais, crónicos ou com doenças degenerativas, isto é, em todas as doenças em que não há possibilidade de recuperação ou do impedimento do seu progresso. Situação que é transversal a todas as idades, esta abordagem médica vai proporcionar, dentro das limitações de cada um, uma melhor qualidade de vida.
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Como já referi, o processo foi uma motivação extra, para que no futuro possa estar atenta ao nível da evolução, quer seja em termos tecnológicos, quer seja em termos da abordagem aos assuntos que são necessários resolver no dia-a-dia e que carecem de conhecimentos ao nível da burocracia e que tenham a ver com a defesa dos meus direitos, enquanto cidadã. Hoje em dia sinto-me muito mais bem preparada e esclarecida sobre aquilo que deve ser a minha participação na sociedade enquanto cidadã, com os meus direitos, mas também com os meus deveres.
Melhorei a minha capacidade para escrever e interpretar. Apesar de ler ser um hábito que perdurou durante o meu percurso de vida, mesmo que nalgumas situações fossem revistas cor-de-rosa, a verdade é que me tinha desabituado de escrever desde os meus tempos de estudante. Foi necessário muita pesquisa e interpretação nalguns dos temas que eu não dominava. Este processo foi bastante útil em todas as suas vertentes, pois os conhecimentos que fui aprofundando permitiram-me possuir uma maior cultura geral e um sentido critico mais racional.

 

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