Equipa P&V | Erasmus+

Os professores Carlos Carvalho e José Nobre participaram, de 7 a 13 de outubro, num curso de formação, de 50 horas, na Universidade de Talliinn, capital da Estónia, no âmbito do programa ERASMUS +. Digital Turn: how to make your school more digital foi o tema do curso, em que estiveram presentes 25 docentes, de 13 escolas dos seguintes países: Alemanha, Chipre, Grécia, Espanha, Portugal e República Checa. Os formadores, todos da área das tecnologias, foram três professores universitários, do Gana, da Geórgia e da Estónia. Formação teórica sobre tecnologias digitais, exposição do “estado das artes” em cada país presente, visita a três escolas e ainda uma breve visita à Talliinn, fizeram parte desta formação, para além do intenso trabalho em equipa e apresentação do projeto final.
O P&V, que assumiu este ano o compromisso de dedicar uma página ao programa Erasmus, em todas as edições, divulga, nesta, as impressões dos referidos colegas, a partir duma longa entrevista com os mesmos.

Alice Marques- Que impressão colheram do “estado das artes”, isto é, quão digitais estão as escolas dos países participantes, incluindo a nossa?
Zé Nobre – Grécia e Chipre pareceram-nos as menos envolvidas na revolução digital. São escolas sem grande autonomia e sem grandes recursos digitais. Mesmo na Alemanha, representada por sete escolas, a situação é diversa conforme o investimento que os governos regionais destinam à educação.
Carlos Carvalho – As situações são diferentes, como o Zé disse, mas há uma coisa em comum: seguramente, todas as escolas ali presentes querem evoluir no uso das tecnologias, querem melhorar, por isso enviaram professores e até diretores para esta formação.
AM – Nesse conjunto de escolas, em que lugar colocariam a Calazans Duarte?
ZN e CC – Numa situação de topo, sem dúvida. Em recursos e em autonomia.
AM – Pode dizer-, segundo os professores presentes, que há fatores comuns, que entravam esse “Digital Turn” das escolas?
ZN – Claro que há. Para além dos entraves que têm a ver com as decisões superiores –pouco investimento, pouca autonomia, - o maior entrave são os professores, a resistência de muitos ao uso das tecnologias digitais e à revolução metodológica que isso implica.
AM – Quais vos pareceram os mais resistentes?

ZN e CC – Os gregos, sem dúvida. Para além de alguns alemães. Por exemplo, os representantes de uma escola que era um antigo convento pareceram-nos completamente por fora! A maior resistência é das pessoas, para além das dificuldades materiais, como ter uma boa rede, equipamentos…
AM – Clarifiquem-nos o que é uma escola que usa a tecnologia digital?
ZN– É usar as tecnologias como ferramentas de aprendizagem. Não é mostrar power points, que continuam a ser apenas um recurso de outra natureza mas feito e mostrado pelos professores. É passar do ensino para a aprendizagem!
AM – Nas escolas que visitaram em Talliinn, o papel dos professores é outro?
ZN – Totalmente. O professor é um facilitador da aprendizagem, os alunos aprendem utilizando os recursos digitais. Não é que sejam contra os livros, nada disso, simplesmente têm os recursos digitais e exploram- nos ao máximo, enquanto nós, por exemplo, temos muitos que não utilizamos ou subutilizamos.

Ter acesso à Internet é um direito humano

AM – Como é que a Estónia, um pequeno país com 1 milhão e 400 mil habitantes, deu o salto para a era digital?
ZN – Tivemos uma “aula” de história da Estónia. Na verdade, este pequeno país tem uma história de submissão a impérios, e só desde 1992, quando terminou a URSS, começaram a dar o salto. Não têm recursos naturais, por isso apostaram no conhecimento. E entraram nele na era digital. Daí a prioridade absoluta dada à educação. Para teres uma ideia: ter acesso à Internet é considerado um direito humano. Por isso em qualquer lugar tens acesso livre e gratuito à Internet. Têm uma Carta para a Educação cujo objetivo central é criar condições tecnológicas em todas as escolas
CC- Neste salto que deram nos últimos 25 anos, não se pode dizer que deitaram todo o passado fora e começaram do zero. Os 50 anos em que fizeram parte da URSS deixaram marcas na educação. Muitas escolas foram construídas nesse meio século, embora agora as tenham requalificado, e, por exemplo, o facto de a arte ser uma das vertentes da educação, do primeiro ao último ano, é uma herança que eles souberam aproveitar muito bem.
ZN – Numa das escolas que visitamos, para além das salas de música, que há em todas as escolas, havia pianos de cauda nos corredores e até no refeitório. Ah! Na escola é tudo gratuito para todos, desde o material didático, transporte, alimentação. Aliás, na cidade de Talliinn, o transporte público é gratuito para todos os habitantes da cidade.
AM – A educação é uma competência do estado central ou há autonomia regional/municipal?
ZN – Poucas coisas são da competência do estado central. Colocação dos professores, definição dum currículo mínimo. O essencial é a transferência de verbas do estado para os municípios e a autonomia que, não apenas estes, mas também os diretores de escola e os próprios professores têm.
AM – Expliquem lá o nível de autonomia que têm os diretores e os professores.
ZN e CC – Há uma base curricular nacional mínima, o resto é decidido nas escolas. Os diretores têm autonomia, por exemplo, para pagar diferentes salários, conforme o desempenho dos professores.
AM – Expliquem lá isso.
ZN e CC – Há um salário base igual para todos, mas os municípios atribuem às escolas uma verba que os diretores usam para aumentar os salários aos melhores professores. A avaliação é feita através de um portefólio de resultados.
AM – São resultados em exames?
ZN e CC – Não. São outras evidências de aprendizagem que os professores vão recolhendo ao longo do ano. O portefólio não é um relatório, é uma prova, evidência documental. Aliás, segundo percebemos, este ano já não vai haver qualquer exame. Até ao ano passado havia apenas o de final de secundário, que já foi feito online, mas este ano acabou. A triagem para a universidade vai ser feita pelas universidades.

Usar as tecnologias sem perder as destrezas manuais

AM– Como é que os professores da Estónia venceram o receio das tecnologias?
ZN e CC – Duas coisas essenciais – em todas as escolas há um Educador Tecnológico, cujo trabalho é apoiar os colegas no uso das tecnologias. Não é consertar os computadores! E em cada turma há pelo menos um aluno que dá apoio tecnológico ao professor e aos colegas. É um lugar a que os alunos concorrem e recebem salário por essa função. Estivemos numa aula de Química duma professora, que ganhou o prémio de melhor professora, e ela estava a ser apoiada por 2 alunos. As salas de aula ao longo do dia mudam de aspeto, pois cada professor organiza a sala conforme queira. A única forma que não vimos foi em fila!
AM – Então há um conceção da educação muito diferente da nossa…
ZN e CC – Sim, muito diferente. Para além do que já dissemos, dos recursos e da autonomia, a organização da escola é diferente… por exemplo todo o espaço está transformado em ambiente de aprendizagem: podes subir a escada e aprender a tabuada (está escrita nos degraus), podes aprender astronomia caminhando nos corredores; mas as tecnologias digitais não inibem os alunos de desenvolverem habilidades manuais, porque todos têm trabalhos manuais, desde a cozinha à carpintaria, por exemplo. Faz parte da educação para a autonomia. Como a educação financeira e o empreendedorismo, que também fazem parte do currículo de todas as escolas.
AM – O que mais vos surpreendeu nesta deslocação à Estónia?
ZN e CC – O facto de as artes serem a base da educação, o facto de todos os alunos aprenderem música a sério, o uso do máximo de potencialidades das tecnologias digitais, a forma como estas são encaradas, na prática. Por exemplo, numa das escolas que visitamos, os telemóveis podem ser usados nas aulas, porque são ferramentas de acesso ao conhecimento, mas não nos intervalos, que se consideram os momentos de socialização. Ah! O corpo docente muito jovem, a rondar os 40 anos, já formados na era digital, enquanto todos os outros participantes no curso falaram dum corpo docente envelhecido.
AM – Acham que algum dia chegaremos aí? Ou há apenas algumas pequenas coisa que podemos adotar… ou adaptar?
CC – Cada país tem a sua história, a sua herança e a sua realidade. Por aquilo que vimos, a Estónia aproveitou muito bem parte dessa herança, aprendeu também com os vizinhos finlandeses, e sendo a sua realidade o não terem grandes recursos naturais, apostaram na educação para formar os melhores recursos humanos e também os melhores cidadãos. A escola tem de estar na realidade em que se insere. A revolução digital está acontecer. Já não precisamos de papéis para o IRS, não precisamos de ir aos bancos…a escola não pode ficar para trás.
ZN – Nós temos muito do que é preciso, falta-nos essencialmente… diria… vontade. Na Calazans temos recursos, temos um diretor que aproveita a autonomia até aos limites. Construir equipas é fundamental. O receio que alguns professores têm de usar as tecnologias pode ser ultrapassado adotando, por exemplo, o que referi, educadores tecnológicos, professores e alunos, como fizeram na Estónia. É preciso que os professores se sintam apoiados se querem fazer as aulas de outra maneira. Claro que é necessário dar-lhes formação. Mas também dar-lhes a entender que não têm de ser peritos em informática para serem professores na era digital. Não terem medo de aprender com os alunos, envolvê-los no sistema é ganhar o processo.
AM – Pode dizer-se que este curso correspondeu às vossas expetativas?
ZN e CC – Superou-as. E muito!

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