Vozes do Poente |Aida Mira, educadora de infância (Escola EB1 Fonte Santa)

Obrigada, Alice!

Sou educadora de infância, trabalho com crianças, brinco e conto muitas histórias. Toda a minha vida ouvi e contei histórias. Tive a sorte de, em pequena, ouvir muitos contos contados pelo meu avô materno e pela minha mãe que herdou esse gosto do seu pai. Durante a minha infância tive pouco acesso a livros, no entanto o gosto pela leitura pode-se transmitir pelo contar, pela escuta, pela palavra e sobretudo quando há tudo isto misturado com afeto. Foi o que aconteceu comigo.
Desde pequena que comecei a amar a palavra, a leitura, as histórias e ao longo do tempo comecei, por inerência, a amar os livros e também a contar histórias
E é por isto que vou contar-vos uma história:
Com 23 anos e com o curso acabadinho de tirar, comecei a trabalhar na Marinha Grande, num jardim de infância, feito, provisoriamente, num pavilhão de madeira, tal qual a história dos três porquinhos. Esse jardim de infância era na Fonte Santa. Trabalhei ali dois anos, depois fui conhecer outros lugares e, curiosamente, 30 anos depois voltei à Fonte Santa, agora para um edifício construído de raiz (já de pedra e cimento, como o da história).
Na época do pavilhão de madeira, princípio dos anos 80, resolvi ir estudar à noite para a Escola Calazans Duarte, escola que nunca tinha frequentado. Resolvi ir fazer o 12º ano porque, quando tirei o curso de educadora de infância, o 12º ano ainda não fazia parte da escolaridade obrigatória. Pensando eu que podia ser interessante e que um dia poder-me-ia fazer falta, matriculei-me. Nessa época apenas eram necessárias três disciplinas, mas dadas muito intensamente, como eu era de Letras, matriculei-me em Geografia, História e Filosofia.
Nesse ano frequentei as três disciplinas até ao final do primeiro período. Adorava Geografia, Filosofia mais ou menos, mas a Historia era intragável, não me lembro do nome da professora, não me lembro da matéria, só sei que detestava aquilo e, principalmente, a professora que não conseguia motivar os alunos para aprenderem a matéria que ela dissertava.
Nesse Natal estava desanimada, então pensei, eu não preciso disto para nada, para quê andar tão cansada e deprimida? Então decidi que iria fazer uma pausa fazendo uma disciplina por ano, tinha tempo. Anulei a matrícula a Filosofia e a História e fiquei só com a Geografia dada pela professora Manuela Miranda, também uma grande professora da nossa escola.
No ano seguinte voltei à escola, desta vez para tentar de novo a História. Tive a sorte de me calhar uma professora nova, nova na idade e nova na escola, uma professora diferente, moderna, um pouco irreverente, pouco convencional, mas muito organizada na forma como dava as suas aulas, a Alice Marques. Adorei esse ano, adorei a disciplina, tive boas notas. O programa era o mesmo, a forma como ela o dava fez toda a diferença.
A matéria era aliciante porque Alice fazia com que a coisa mais insignificante fosse extraordinária. Nas aulas falávamos de História, de livros e de histórias. A Alice falou-me de Gabriel Garcia Marques que tinha ganho o prémio Nobel de Literatura e de quem eu nunca tinha ouvido falar, disse-me que “Cem anos de Solidão” era um dos seus livros favoritos e por isso eu também comprei o livro, li-o e apaixonei-me pelo autor.
Para mim Gabriel Garcia Marques está sempre associado a uma grande mulher que me fez gostar mais de História, de livros, de histórias. A Alice foi minha professora só um ano, mas fez toda a diferença na minha vida.
Voltei a encontrá-la mais tarde, aqui, desta vez como colega do mesmo Agrupamento, ela sempre no seu estilo, ligada à escrita, aos livros e às suas convicções, eu a contar pequenas histórias. Um dia foi à Fonte Santa, à casinha de pedra e disse-me que gostava tanto daquele cantinho que quando se reformasse ia para lá trabalhar comigo nas nossas histórias.
Não teve tempo, partiu cedo de mais, mas, Alice, tal como eu, há por aí muitos alunos, colegas, amigos que nunca vão esquecer o legado que nos deixaste, porque, tal como diz Saint- Exupéry: “Aqueles que passam por nós, não vão sós, deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”.
Por tudo isto, obrigada, Alice Marques!

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