Homenagem a Alice Marques |Jorge Carreira Alves
Lembras-te, Alice?
Lembras-te, quando nos conhecemos, quando chegaste à nossa escola, naquela época de ressaca dos impetuosos anos do PREC, quando todas as utopias teriam sido possíveis, quando muitos de nós já descríamos desses ideais? Já nessa época tu nos surpreendias pela tua diferença, pela tua audácia, pela capacidade de continuares a acreditar, contra os ventos e as marés que nos empurravam para a resignação e para um aceitar cobarde das regras que nos voltavam a ser impostas, que ainda era possível construir uma sociedade mais justa, mais humana, mais fraterna… tu continuavas a acreditar e nunca desistias de lutar pela dignidade de todos, pela defesa dos mais desprotegidos e mais abandonados, tentando construir à tua volta aquele mundo de harmonia e felicidade a que todos devíamos ter direito.
Logo nesses tempos luminosos desses anos 80, tu punhas um toque de audácia em tudo o que fazias, “obrigando-nos” a repensar a Escola e o Ensino, promovendo uma sã abertura e uma mais livre cumplicidade entre alunos e professores como não estávamos habituados a viver.
Lembras-te, também, da coragem com que não te furtavas e enfrentar qualquer polémica, quando publicavas os teus incisivos artigos no “Correio da Marinha Grande” que nos faziam pensar e ver muitas coisas com perspetivas bem inovadoras e tantas vezes incómodas para os poderes instituídos?? Lembras-te do teu pensar independente, fugindo de todas as cartilhas ideológico-partidárias que te faziam caminhar sozinha, mas com a firmeza das profundas crenças numa liberdade e numa democracia para além dos nossos limites?
Lembras-te do modo como te assumiste mulher, lutando por todas aquelas que, como se tivessem condenadas de nascença a ser inferiores, sofriam as humilhações patriarcais de uma sociedade moldada por uma religião já injusta de nascença? Lembras-te da tua constante luta para a dignificação do trabalho, da vida de quem suporta sobre os seus ombros mais de metade do peso dos céus e são mães, esposas, irmãs, companheiras… e são mulheres na sua feminilidade e devem ter o poder sobre os seus corpos, o seu destino, o seu caminho? Lembras-te de tantos livros e artigos em que gritavas a tua revolta para que essas mulheres tivessem direito à sua dignidade?
E, lembras-te de quando, contra medos e preconceitos, fizeste colorir a nossa escola com as cores da universalidade, deste mundo multicultural, multiétnico e multilingue em que vivemos? Lembras-te das bandeiras, das árvores coloridas, dos tons e dos sabores que nos ensinaste a fruir?
E, se falarmos de tanta gente a quem trouxeste o alento do seu reconhecimento pessoal, da sua afirmação, do gozo de se saber capaz e merecedor de reconhecimento pelo seu percurso de vida e pelos ensinamentos nela conseguidos? Lembras-te daqueles adultos reconhecidos que tiveram em ti o impulso definitivo para conseguirem conquistar novas etapas na sua vida?
Lembras-te de tantas e tantas coisas que cumplicemente compartilhámos? Lembras-te dos imensos ensinamentos que nos transmitiste? E que dizer do exemplo de liberdade e de inconformismo que nos deste, ao continuares a viajar para as tuas utopias, ao continuares a entregar-te às tuas paixões sem limites nem fronteiras, ao afirmares-te na tua liberdade e na urgência de seres mulher?
Por tudo o que dissermos e ainda pelo muito mais que fica por dizer, só poderemos manifestar a nossa enorme gratidão pela forma inteira com que te nos deste e te deste aos outros.
Obrigado, Alice.