Murmúrios Fotográficos | Ana Margarida Silva


Olhar para uma árvore colocada de pé, em época de vendaval ou em qualquer outro momento, é, sem dúvida, ver um poema escrito pela Terra e ofertado aos céus, escutar-lhe o queixume, vislumbrar uma solidão simultaneamente muda e gritante, sobrepondo-se a todos os ruídos da existência. Não me furto à metáfora… Atrai-me a árvore, de raízes profundas e sequiosas de vida, de tronco firmado e nunca vergado, de múltiplos braços floridos e penso…. Quantas serão as almas que lançam seus braços para o céu, segurando-o, quando sobre elas desabam todas as nuvens e o chão se desmancha? Contar-vos-ei a história de uma árvore que, outrora, suportara toda a espécie de condições climáticas, umas mais agrestes pela negrura dos ásperos céus, outras mais afáveis pela brandura da aragem. Jamais negara que, na densa folhagem das suas, por vezes, débeis, ramificações, se aquietassem os rumorejantes bandos de juvenis pardais. Era nesses momentos que o gritante desconcerto do mundo se eclipsava subitamente, dando lugar à melopeia de uma máquina sabiamente afinada. A cada chegada da primaveril criançada chilreante, a resiliente árvore aprendera a ser feliz com a calorosa hospedagem ofertada, por muito cruciante que tivesse sido a estação invernosa… E quantas estações invernosas o seu tronco já tão fissurado tivera que superar! Algumas malfazejas mãos haviam deliberadamente amofinado a sua casca, crendo causar danos irremediáveis ao tronco e, quiçá, conduzi-la à irremediável morte. Mas, resoluta na superação das curvas e contracurvas que a vida forçosamente oferta a cada mortal, as suas raízes mantinham-se ávidas de vida e, portanto, mais do que profundas: espalhavam-se, indómitas, até às entranhas mais insondáveis da Terra, e houve quem jurasse que elas davam, dignamente, a volta ao planeta. Fosse como fosse, a árvore que nos ocupa estas linhas não vergava a nenhuma rajada, não sucumbia perante os fenómenos calamitosos que a atingiam e permanecia resiliente, por mais devastadora que tivesse sido a procela enfrentada. De ramagens desgrenhadas, era vê-la, ainda assim, a lançar seus braços floridos, nunca entregues à prostração, rumo às alturas, ampliando o agasalho a quem dela se acercava, porque essa era a sua suprema e derradeira missão. Quantas almas carregam diariamente o peso do céu com a força de seus braços e, ainda assim, espalham olorosas “flores” de determinação e coragem! Depois, toda ela se engalanava ainda mais, nada ficava pela metade: a árvore-noiva despia seu vestido de flores níveas e entregava à trêfega juventude sucosos frutos, enquanto, mercê da suave brisa, lhes sussurrava que a resistência é a arma dos audazes e que, como Miguel Torga já lhes havia contado, o fruto deveria ser comido por inteiro e jamais se deveriam sentir apaziguados com a metade. Com sofreguidão se empanturrassem com o “fruto”, como quem merece este mundo e o outro… porque lançar os braços aos céus, segurando-o, quando desabam todas as nuvens e o chão se desmancha é tarefa titânica que não é, certamente, para todas as “árvores”.

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