Murmúrios Fotográficos |Ana Margarida Silva

Observar, no quotidiano, os procedimentos e modos de agir do ser humano, principalmente os que apontam para modelo e arte da vida, é sempre uma prática que nos ensina a resgatar o precioso tesouro que há de morar no íntimo de cada um, ao mesmo tempo que nos deve colocar perante a certeza de que o ouro volúvel se irmana com o obstinado aluvião e que este deve ser repelido. A todos é sobejamente sabido que o pedregulho diário que cada um carrega montanha acima, ainda que distinta seja a carga conforme o bagageiro, está votado a resvalar serra abaixo, sendo a nossa condenação garantida: impelir a carga, ladeira acima, e estar, incontornavelmente, submetido ao perpétuo recomeço. Valham-nos, na escalada da vida, a resiliência para enfrentarmos adversidades e a persistência para que delas nasça o sucesso, néctar divino que expande a validade da existência. São estes os valores que, por vezes, vemos esmorecer, dando lugar à daninha resignação, à perigosa desistência, quando deveriam ter brilho aguçado e tornarem-se estrela a orientar o errante andarilho entregue ao mais intenso nevoeiro ou à mais indómita procela. São estes os valores que Escola e Família devem pugnar por transmitir aos mais novos, porque se a vida está, já de si, suficientemente pejada de vicissitudes, temos o exemplo de Sísifo a assombrar-nos a existência, mas também o de Aracne a guiar-nos no trilho. Desvie-se, pois, o olhar do ser humano e observe-se as lições de vida emanadas singelamente da Mãe Natureza, majestática deusa que, na sua imponência, nos oferta prudência e entendimento. A eventual fobia por aranhas não invalidará que, lançados ao mundo e imersos na sua intrigante estranheza, não lhes apreciemos a missão de briosas tecedeiras invariavelmente dedicadas, com afinco e responsabilidade, ao sucesso da laboriosa urdidura. Atente-se, pois no resultado do empenho e da tenacidade das habilidosas artesãs que, na calada da noite, adornam o pinheiro manso ou a palmeira, para espantar nosso olhar, a cada madrugada. Contemple-se o eterno poder conferido, a seres discretos e emudecidos, no exercício desta arte e a lição subtil que deixam na obra-prima executada: tudo foi erguido na sombra do silêncio, com o agasalho da noite protetora, com paciência, apuro e persistência, sem o alarido de palavras ocas, com toda a liberdade, lucidez, entusiasmo, dedicação e concentração. Assim, nasceu, ao raiar da madrugada, o fulgor do êxito, recompensa sublime que eleva os pés da terra, expande a vida e faz esquecer, por momentos, a irremediável condição humana.

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