Dados:

Óculos, baleia, carta (de amor)

Nem sempre é fácil a integração na sociedade e ser-se diferente de toda gente ao nosso redor. Na história que se segue, tal não vai ser distinto, pois essa dificuldade sempre fez parte da vida de Cristina. Esta miúda frequentava o ensino secundário, tal como qualquer adolescente da sua idade, mas algo na sua vida iria, bruscamente, mudar.
Numa trivial segunda-feira, a jovem dirigiu-se ao seu cacifo para recolher os materiais necessários para a sua próxima aula. Envergava umas calças largas e uma t-shirt ainda mais larga, coberta por um casaco de pele que ocultava a maior parte do seu corpo. Mas, por que é que alguém iria com roupa tão larga para a escola? Mal se notavam as curvas do seu corpo e tal pensamento iria, provavelmente, emergir na nossa mente se observássemos esta cena com atenção. Pois bem, estaríamos a observar alguém inseguro com o seu próprio corpo, certo de que o mesmo não se enquadrava nos padrões de beleza impostos constantemente pela sociedade. A jovem Cristina era, deste modo, completamente invisível, sendo que ninguém notava a presença dela, quer se tratasse de raparigas ou de rapazes, aliás nunca nenhum rapaz tinha olhado para a Cristina como muitos olhavam para outras raparigas…. Então, quando esta se deparou com uma carta dentro do seu cacifo mal o abriu, ficou chocada. Leu-a vezes sem conta para ter a certeza de que estava a ler corretamente seu conteúdo e que realmente era uma carta de amor de um rapaz a declarar a sua chama. Depois de uns bons 10 minutos a analisar a carta, Cristina deparou-se com uma explicação que lhe pareceu mais obvia: “Provavelmente, alguém quer gozar comigo…” e pôs a carta na mochila sem pensar mais no assunto o resto do dia.
Decorreram alguns dias. Na sexta-feira, Cristina estava a arrumar a sua mochila e, no fundo, reencontrou a carta toda amachucada. Voltou a pegar nela e leu-a novamente. No canto direito inferior, estava um nome: César S. Foi, nesse momento, que ela se apercebeu que esta era uma carta de amor escrita pelo miúdo mais popular da escola. Porém, imediatamente, a mesma pergunta voltou a surgir na cabeça da Cristina: por que alguém como ele se iria interessar por mim? A curiosidade estava a deixá-la extremamente ansiosa. Sendo assim, decidiu pegar em toda a sua determinação e coragem, vestir roupa de festa e pesquisar onde seria a festa a decorrer naquela noite, pois havia sempre uma festa na sexta à noite e, com certeza, que o César lá estaria.
Umas horitas depois, Cristina chegou de táxi à festa e com um plano em mente. Resolveu confrontar César com a sua declaração de amor, clarificar o que sentiam um pelo outro e regressar a casa de coração leve. Mas, infelizmente, o diálogo não decorreu bem como ela esperava… Mal ela explicou o acontecimento e o motivo da sua presença, este começou a rir, subiu a uma mesa pedindo a atenção da festa toda, prosseguiu virando-se para todos e exclamando: - Esta miúda, que nem o nome sei, acha mesmo que eu lhe escrevi uma carta a declarar-lhe o meu amor, como se alguma vez eu iria gostar de alguém como tu…. Olha-te ao espelho! - No momento em que este se calou, a festa inundou-se de barulhos de riso, mas se ouvíssemos com atenção, no fundo da sala, claramente percetível seria o choro de Cristina pelo que acabara de ouvir. Rapidamente, ela escapou dali, chamando um táxi para casa. Assim que chegou a casa, foi a correr para o quarto. Não sabia se estava magoada, triste ou cega de raiva, mas, provavelmente, vivenciava um misto sentimentos.
Comprometeu-se a tirar partido das palavras do jovem que a humilhara, começando, assim, uma nova etapa da sua vida na qual ela se focava em ter um corpo “padrão”, para mostrar ao César o que ele tinha perdido. Uns meses depois, ela conseguiu atingir o seu objetivo. Então, envergou um vestido justo e dirigiu-se à escola. Mal entrou no edifício escolar, sentiu algo que nunca antes tinha sentido: olhares plenos de curiosidade. Nunca ninguém olhara para ela, era completamente invisível para a sociedade. E foi aqui que ela notou que só estavam a olhar para ela por causa da elegância do seu corpo e teve um momento de clareza: qual era o propósito de obter compensação de alguém que, no fim de contas e inconsequentemente, nunca iria mudar, continuando a julgar superficialmente as pessoas?
Cristina, então, entendeu que deveria voltar as suas energias no auxílio e apoio a quem não se integrava na sociedade, devido aos padrões insensatos impostos e, assim, contribuir para que as pessoas “diferentes” se sentissem também incluídas e amadas nesta sociedade preconceituosa.

Gabriela Almeida, Duarte Rosado, Inês Oliveira – 10ºD

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