Os Pontos e Vírgulas da Educação Inclusiva | Alda Santos

A Língua Gestual Portuguesa (LGP) é uma das três línguas oficiais de Portugal. Este reconhecimento do Estado, em 1997, foi um passo importante na divulgação e apoio à língua. No entanto, ainda há muitos preconceitos a desmistificar e desigualdades a corrigir. Um dos preconceitos mais recorrentes é assumir que o “L” da sigla LGP se refere a “linguagem” e não a “língua”. Linguagem é o termo que se refere a um qualquer meio sistemático de comunicar ideias ou sentimentos através de signos convencionais, sonoros, gráficos, gestuais, entre outros. Por outro lado, a língua abrange o sistema de representação constituído por palavras e por regras que as combinam em frases que os indivíduos de uma comunidade linguística usam como principal meio de comunicação e de expressão. É na última definição que a LGP se enquadra. É necessário desmistificar igualmente o erro de acreditar que só existe uma língua gestual global. Não é verdade, há tantas línguas gestuais quanto línguas orais. A língua tem a ver com a cultura própria de cada comunidade, de cada país, de cada região. A LGP tem características específicas e palavras próprias devido a ser uma língua de Portugal. E, se em todos os países lusófonos a língua de expressão oral é equivalente, as línguas gestuais não o são. Veja-se o exemplo do Brasil, que também tem uma língua gestual específica – a LIBRAS. Como a língua oral, a Língua Gestual Portuguesa também tem “sotaques ou regionalismos”. Encontramos de norte a sul do país expressões próprias de determinadas regiões e na língua gestual acaba por funcionar da mesma forma. Todos os falantes conseguem entender-se, mas há gestos que são mais habituais numa determinada região. À semelhança do que tem acontecido com a língua oral, os regionalismos da LGP acabam por se diluir com o maior contacto entre pessoas e a maior difusão de gestos. Um fenómeno tanto positivo como negativo, pois apesar de estabilizar os gestos da língua, tem o custo de perder a riqueza linguística. A Língua Gestual Portuguesa é uma língua tal como qualquer outra, mas ainda não é vista dessa forma. Há um tratamento desigual da LGP na sociedade portuguesa. Parte do problema surge de preconceitos que começam na educação das crianças, ou até antes. Ao contrário do que se possa imaginar, existem ainda pessoas surdas que não falam Língua Gestual Portuguesa. Uma das explicações é a tendência de “achar que devemos ser todos iguais”. Quando uma criança surda nasce numa família ouvinte, os pais costumam tentar que a criança “seja o mais parecida com eles”. A LGP não deve ser vista como uma desvantagem da criança surda face às outras. O bilinguismo é uma algo positivo. Do mesmo modo que não se põe em causa o bilinguismo entre duas línguas orais, como por exemplo português e francês, e também não se devia pôr em causa o bilinguismo de crianças surdas. A área da saúde costuma indicar que a criança surda não deve fazer uma aproximação à Língua Gestual Portuguesa, por poder prejudicar o desenvolvimento da fala. Esta é uma ideia errada. A pessoa surda que domine as duas línguas tem uma vantagem comunicacional. A restrição da aprendizagem de LGP para promover a oralidade e a terapia da fala são um esforço demasiado exigente. Mesmo que crianças surdas consigam pronunciar certas palavras ou formar determinadas frases, há uma falha na compreensão e perceção de conceitos e significados. Existem, atualmente, 17 escolas de referência para a educação bilingue, quatro delas no Norte – três no Porto e uma em Braga. O dia da Língua Gestual Portuguesa comemora-se a 15 de novembro.

 

Luís Oriola não tem dúvidas: “A telescola é uma oportunidade de ouro desperdiçada“. A preocupação do Governo em arranjar uma alternativa à educação “deve-se felicitar”, mas não cumpriu o propósito de “chegar a toda a gente”. A ausência da Língua Gestual Portuguesa como conteúdo lecionado no #EstudoemCasa não só pode prejudicar alunos surdos que estavam a aprender, como impede que muitas crianças tenham contacto com a língua pela primeira vez.
A fraca disseminação da Língua Gestual Portuguesa implica que, muitas vezes, as pessoas surdas têm de recorrer aos intérpretes, mas nem sempre é possível. Luís refere a proteção de dados que em muitas ocasiões implica o problema de “não estar a falar diretamente com a pessoa”. Falta a sensibilização de que o intérprete é “meramente o mediador da comunicação”, sem assumir outro papel.
“As pessoas, às vezes, dirigem-se ao intérprete e não à pessoa surda – que é a entidade responsável – só porque é outro a dar-lhe voz”, revela Luís. “Um completo disparate” que se verifica constantemente.
Sofia Figueiredo levanta igualmente o problema de ser “mais fácil aceitar a presença de um tradutor de uma língua oral do que um tradutor de língua gestual”. No caso do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) existe uma linha de tradutores a contactar sempre que é necessária uma interpretação. No caso de uma pessoa surda, tem de ser a própria a levar um intérprete. “Há determinados serviços em que é mais fácil recorrer a um tradutor de uma língua estrangeira que a uma língua deste país“, realça.
Problemas que surgem da diferença de estatuto entre línguas orais e línguas gestuais. “A LGP é essencial, sem ela a maior parte das pessoas surdas não consegue perceber o que está em causa”, explica Sofia. É a “tal questão das maiorias” que coloca a língua gestual num patamar abaixo das línguas orais.
Todos os anos, vários intérpretes de Língua Gestual Portuguesa são lançados para o mercado de trabalho, a partir das três Escolas Superiores de Educação com esta licenciatura – em Setúbal, Coimbra e Porto. Luís Oriola dá conta que “durante muitos anos verificavam-se poucas oportunidades de trabalho”, mas agora tem havido um aumento progressivo.
O serviço de interpretação de LGP não era visto como uma prioridade, o que levou “muitos a terminarem os cursos com baixas expectativas de trabalho e a encontrarem carreiras alternativas“. A área da administração pública tem contrariado essa realidade nos últimos anos e conseguiu converter muitos intérpretes em regime precário para efetivos da função pública. As empresas também “começam a ter mais consciencialização das necessidades” de pessoas surdas.
As próprias licenciaturas são insuficientes no seu formato corrente. “Tem de haver uma formação continuada”, pede Sofia Figueiredo. Há também a necessidade de criar opções de especialização em áreas “como a saúde e a educação”, onde é preciso conhecimentos mais técnicos.
Luís Oriola complementa com a sugestão de um estágio curricular que podia servir de elo de ligação entre “o fosso do fim da formação e do início do emprego”. Desta forma, estabelecia-se uma ponte com as empresas, enquanto se “estendia o processo de aprendizagem”.

 

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