Jorge Alves |  A propósito de ….

Neste reinício de atividades, quando as coisas parecem caminhar para uma nova normalidade, ao nos reencontrarmos neste espaço livre e criativo, lembrei-me de compartilhar convosco algumas das minhas memórias dos chamados “jornais escolares”, estas tantas vezes tão ingénuas e utópicas formas de comunicação em que muitos jovens iniciam as suas aventuras pelos caminhos sempre sedutores da literatura, como, aliás, tem vindo a suceder já há longos anos neste nosso magnífico jornal “Ponto & Virgula”. Sim; é isso mesmo: de literatura falo, porquanto, tão importante como aquele contacto que temos nas aulas de português com os mais ilustres mestres desta arte, é nestes espaços livres de criação que muitas crianças e jovens descobrem o prazer da escrita, o prazer de recriarem esses mesmos mestres que lhes serviram e nos servem de modelos, plantando raízes seguras para uma compreensão mais atenta e crítica do mundo que os rodeia. Falando do meu caso pessoal, ainda como criança, no colégio interno que frequentei, criámos um jornal de parede que líamos avidamente, aprendendo com as experiências dos nossos parceiros formas diferentes de entender o próprio mundo, ou reinventando-o através das palavras. Por isso, era sempre com uma alegre e curiosa emoção que, de duas em duas semanas, íamos ver as novidades que existiam no nosso “O Quinzinho”, o que nos inspirava para escrevermos os textos que quereríamos ver colocados na parede na quinzena seguinte. E assim ia sucedendo, como se fossem os passos de um grande jogo que durava o ano inteiro, através do qual nos descobríamos e descobríamos alguns dos grandes mestres que já aí nos iluminavam. Lembro-me, por exemplo, de ter sido aí que li alguns poetas que ainda hoje me marcam – Miguel Torga, Afonso Lopes Vieira, Vitorino Nemésio, entre outros cujos poemas nos eram mais acessíveis e que tanto se pareciam com as nossas brincadeiras infantis com as palavras. Um pouco mais tarde, já num liceu de Lisboa, encetei uma nova experiência, embora de caráter mais efémero, que consistia na feitura totalmente artesanal de um jornal, que se resumia a uma ou duas folhas A4, em que cada um de nós escrevia as “suas novidades”, sendo apenas um folheto de circulação entre amigos e parceiros da mesma turma, só servindo para algum exercício de escrita ou para compartilharmos algumas das nossas mais emocionantes aventuras de adolescentes. Por fim, já na Faculdade de Letras de Lisboa, algo mais ambicioso se concebeu: uma revista que, pela sua abrangência artística até poderia fazer lembrar o célebre manifesto modernista “Orpheu”, e onde tantas experiências literárias e de artes plásticas se ensaiaram, sendo igualmente efémera tal qual o seu modelo, mas ficando bem cravada na memória de quem a concebeu pelo seu arrojo e audácia criativa. No entanto, para mim, embora a minha colaboração nesta publicação tenha sido bastante diminuta, atiçou deveras o meu gosto pela leitura e pela escrita: o meu verdadeiro amor pela literatura, ganhando um gosto mais arrojado por escritores mais vanguardistas e desafiantes, aqueles que tentávamos imitar nas nossas inseguras experiências literárias. Já nesta escola, o nosso “Ponto & Virgula” tem me trazido grandes e emocionantes momentos de gozo literário, muito estimulado pela inventiva imaginação dos nossos alunos que, ainda alimentados pelas utopias que só nessas idades florescem, surpreendem pelo arrojo e originalidade de algumas das suas abordagens. Ao mesmo tempo, tem-me estimulado a que não me deixe entorpecer pela preguiça e lance na elaboração de alguns dos textos que convosco tenho compartilhado. Daí eu aproveitar este ensejo para que, através de novos desafios e de projetos consistentes, com a prestimosa colaboração dos professores destas nossas escolas, sobretudo os de português, este espaço de livre criatividade que sempre foi o nosso “Ponto & Virgula”, continue a contribuir para que os nossos alunos redescubram as riquezas incomensuráveis que existem na nossa literatura, fazendo com que o estudo de Camões, Eça, Cesário, Saramago, Pessoa e quantos outros tenham o sabor inebriante das contínuas descobertas. Bom ano letivo com o gozo da arte das palavras que tanto iluminam e dão cor às nossas vidas!

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