Diogo Rosa (12º B)


«[…] sabem-no aquele que sofreram por ela, emboras as flores do triunfo pendam murchas na sua coroa de martírio» (Camilo Castelo Branco, Anátema)
Lá a figura espetral, a tez pardacenta, o traje violáceo. É fêmea a criatura, denunciam-na as convexidades, as velas enfunadas, as cúpulas, o peito que, em potência, por pagãos mistérios, gerará o coloide lácteo que haverá de alimentar o Homem. Esta decerto que não é loba, não serão Rómulos nem Remos a trincarem-lhe as mamas, melhor para ela, evita a sacudidura duas vezes importuna da afã de dois leitõezinhos puxando, cada um para seu lado, a bica do germe que lhes nutre as carnes tenras e, com a tardança própria destes anabolismos, lhes aproxima os ossos da moleirinha. Dali não sairá latina civilização nem coisa que o valha. Diz-me das distâncias que se chama Nise (e eu julgando que aí só Dinamenes), mas longe de mim acreditar em tudo o que estas figuras dizem, o óbolo se lhes enrola a língua, o dracma se lhes entala entre dentes, e qualquer coisa que, enfim, lhes saia da boca, vem dela transviada do caminho reto. Se espírito ou delírio não o podemos ainda distinguir. Para já, tudo são vapores. Pela cor, direi de iodo. É um nimbo que se dilata, augúrio de chuva «por huma praia do Indico Oceano». E aqueles bojos incham a cada momento como aeróstatos com a promessa de aleitar o Mundo todo, fazer dele lezíria, ínsua de nateiros. Fosse isto a Virgem e tudo não seria senão a lactação de São Bernardo, expedida ao universo inteiro, a via láctea, sim, mas igualmente lácteas as orlas, os fojos, as covas, as cavernas, Lupercal e demais, que a seiva é fluente, não escolhe nichos por onde brotar, derramada sobre o orbe, tudo lhe é sujeito e em tudo penetra e escorre. Ali a figura expande-se e expande-se e, em se expandindo, já se lhe reconhece o rosto oblongo, a tez ebúrnea, acetinada, os cabelos claros em cacho, o manto loio. É tudo isto uma roda-viva de gentes nas partes d’aquém, uma afã absolutamente maior que a dos progénitos de Eneias, frágeis mancebos tentando debuxar a natureza da aparição. Diziam que era nuvem, agora que são tetas de Deusa, mas muito não demorará a que se apercebam que o que lhe cinge os cabelos não são vapores nem auréolas, mas sim um diadema. E, oh meu Deus, veemente virá a reação do povinho! Coroa, coroa! Couronne, couronne! Crown, crown! Corona, corona! Aqui a figura é tamanha que humano olho já não lhe abarca as dimensões. Sobre as trigueiras tranças, crepes fúnebres, e sobre o colo, cobertos, espiam terríveis acúleos. Basta agora incharmos o peito, por nosso turno, da coragem para fazer a questão derradeira.
- Que tendes Vós aí?
Quem o soubesse…

 

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