José d’Encarnação |Onde é que tu estavas no 25 de Abril

Sim, para nós, os que, a 25 de Abril de 1974, já andávamos pela casa dos 20 (eu tinha 29), a pergunta sacramental é essa: onde é que tu estavas nesse dia?
Levantei-me para ir dar aulas na Escola Salesiana do Estoril. Ainda dei um tempo ou dois, e a Direcção da Escola, perante as notícias que chegavam de Lisboa, resolveu suspender as actividades lectivas nesse dia e no seguinte.
De transístor sempre ligado, fui sabendo o que se passava. O Jornal da Costa do Sol, de que era redactor, tivera tempo para modificar, no derradeiro momento, a 1ª página e – bom presságio! – eu marcara para esse dia a mudança de casa. Tudo em excelente mudança, portanto! Numa sensação de alívio, porque, dias antes, gravara, exactamente nos estúdios do Rádio Clube Português, uma entrevista conduzida por Luís Filipe Costa, a mesma voz que ora ia ouvindo, depois da do Joaquim Furtado, que lera o comunicado oficial do MFA… Era como se estivesse em casa!...

Imediatamente antes
Por aqui sentíamos que… algo andava no ar! Estávamos bem perto dos ideólogos da SEDES; o Expresso nascia na tipografia onde se fazia o Costa do Sol, jornal este em que Magalhães Mota começara a publicar cuidadosos relatos das sessões da Assembleia, em pleno clima marcelista...
Eu vivera, na década de 60, na Cidade Universitária de Lisboa, as investidas da Polícia contra os estudantes e o omnipresente olhar dos informadores da PIDE… A colaboração nos jornais Encontro (da Juventude Universitária Católica) e no Tempo (de Nuno Rocha), jornais que, bem vigiado (sentia-o), eu ousava vender à porta da Faculdade. O cuidado que precisávamos de ter na redacção do Jornal da Costa Sol para o «lápis azul» não nos cortar os textos. Aquela história de a habitual secção do director, «Lengalenga», ter tido, um dia, o título censurado (só o título!), porque o conteúdo não agradara a um dos censores. A edição que tinha de ser mostrada na totalidade à Comissão de Censura, porque, a determinado momento, compreenderam que até na paginação poderia haver… marosca! Os ensaios gerais das peças do Teatro Experimental de Cascais, sempre a correr-se o risco de os censores amputarem passagens significativas ou, mesmo, de lhes proibirem a estreia!... Os dias de aflição quando o Nuno Vasco desapareceu num ápice sem deixar rasto e viemos a saber depois que deixara cair o cartão de jornalista numa manifestação frente ao Ministério do Trabalho e a PIDE o prendera, incomunicável, sem tir-te nem guar-te!...

O imediatamente depois
Sim, a loucura do primeiro 1º de Maio em liberdade. A estrada da orla de Cascais ao Guincho, um mar de carros floridos (nunca se apanhou tanta flor de chorão!...), todos a nos proclamarmos irmãos, algazarra imensa, a «Grândola» em pano de fundo!... Nunca mais houve um 1º de Maio assim! Depois, a possibilidade de se escrever sem peias; os constantes comunicados das comissões de moradores; o atender todos, da extrema-direita à extrema-esquerda, na imparcialidade que urgia estar patente nas colunas do jornal… Como docente, a alegria de poder comentar livremente As Aventuras de João Sem Medo, do Gomes Ferreira, ou Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos…
Agora, 45 anos passados, no recanto dos aposentos, a vontade – sempre a mesma! – de (eu, professor, me confesso!) continuar a partilhar experiências. Essas do 25 – antes, durante e depois também!

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