Fátima Roque|Onde é que tu estavas no 25 de Abril?


No dia 25 de Abril de 1974, eu estava em casa, em Campo de Ourique, em Lisboa, preparada para ir à escola, como em qualquer quinta-feira.
Todos os dias, ao levantar, ligava o rádio, e foi assim que fiquei a saber que algo de muito diferente se passava, pois os programas vulgares diários tinham sido substituídos por comunicados, separados no tempo por algumas músicas que pareciam tocadas por bandas filarmónicas. Nesses comunicados, as forças armadas avisavam as pessoas para se recolherem em casa, não saírem e apelavam à calma e postura cívica dos cidadãos no sentido de evitar confrontos.
Não saí de casa nesse dia, sempre ao lado da rádio, lendo, fazendo melhoramentos nos trabalhos da escola e realizando algumas arrumações.
O meu pai era empregado bancário, num banco a dois quarteirões de casa, pelo que foi trabalhar, mas soube depois, pela hora do almoço, que não tinham aberto as portas ao público de manhã e também não iam abrir à tarde.
A minha mãe decidiu sair para ir às compras e eu fiquei com medo que lhe acontecesse alguma coisa, pois o mercado era a uns 6 quarteirões de casa, e não era possível saber se haveria tumultos nessa zona da cidade, se bem que, olhando pelas janelas de minha casa, nada se passava: nem ruídos, nem gritos, nem sons de armas, nada. Quando voltou, fiquei a saber que tinha havido um golpe de estado (que eu nem sabia o que era) e que apesar de algum comércio não estar aberto, havia onde comprar coisas e em tudo parecia um dia normal.
Esperámos ansiosamente por outros comunicados diferentes, que surgiram pela hora do almoço. No final da tarde, que era quando abria a emissão da televisão – a RTP – todos os portugueses ansiavam pelas notícias, o telejornal, a informação, pelas imagens. Esta emissão, como todos sabem, abriu atrasada com as desculpas do jornalista Fialho Gouveia, que toda a gente perdoou, não só devido à ansiedade em que todos estávamos pelas notícias, mas também pelo facto de termos adivinhado a dificuldade de gerir a informação desse dia com armas no estúdio de televisão, com a catadupa de acontecimentos que se verificaram e a quantidade e importância de pessoas que envolviam…há que entender que não havia internet, nem telemóveis, nem mais que dois canais de televisão que ainda víamos a preto e branco.
Por essa altura, o mercado da bolsa era uma das informações diárias que seguíamos através do jornal. Nesse dia não abriu, mas nunca imaginei que nem no dia seguinte nem nesse ano, congelassem esse mundo onde havia um verdadeiro lucro para o pouco dinheiro que se ganhava com trabalhos honestos. O meu pai, que sempre foi uma pessoa previdente, investia algum dinheiro, mas pouco na bolsa de Lisboa e por isso, apesar de ficarmos mais pobres com o 25 de Abril, a nossa situação financeira nunca se tornou difícil. Mas ouvi o meu pai falar de pessoas que eu desconhecia e que perderam fortunas. Muitos fugiram para o Brasil para evitar os credores e aí se estabeleceram até terem condições para voltar. Julgo que só em 1977 a bolsa de Lisboa abriria e em moldes completamente diferentes dos de 1974.
Mas tudo foi compensado para nós no dia 1 de maio de 1974 quando finalmente eu e os meus pais saímos à rua para nos juntarmos à 1ª manifestação de apoio ao MFA. Lembro a alegria, a euforia e a sensação de liberdade que aí se vivia. Nos meus 14 anos, tive a sorte de viver de forma muito intensa os termos e conceitos políticos, sendo tudo isso, para mim e para muitos, uma novidade, bem como toda uma história oculta de um país que eu julgava que conhecia e que me surpreendeu.
A televisão e a rádio encheram-se de novas pessoas e novos programas, filmes com linguagens e culturas que nunca tinha visto, as pessoas na rua falavam abertamente de quase tudo, nas escolas houve novos diretores, outras metodologias, já não se falava só de futebol, havia novos produtos a vender, havia arte, comunicação e lettering nas paredes das ruas. Todo um mundo novo.

 

 

 

 

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