Alberto Cascalho|Onde é que tu estavas no 25 de Abril?


Naquela manhã custou-me a levantar. Dois anos e meio a acordar às sete da manhã e a voltar à cama depois da meia noite, mesmo para um jovem dos 15 aos 17 anos, cavam marcas profundas no corpo e na alma. Estava fresco e o banho rápido não fora suficiente para recuperar aquela sensação agradável de um dia de primavera.
Estava a preparar-me para tomar o pequeno almoço quando entra o Manuel, grande amigo e pilar fundamental no meu processo de crescimento e formação como pessoa. Fazia o turno da noite num estabelecimento localizado entre o Ralis e o Aeroporto de Lisboa e vinha num estado de grande nervosismo e exaltação.
A primeira coisa que fez foi ir ter comigo e dizer-me de forma imperativa ‘Alberto, hoje não podes sair, passou uma grande coluna de carros militares na 2ª circular. Parece que estão a fazer um Golpe de Estado e na rádio estão a dar instruções para as pessoas se manterem em casa’.
Não foi fácil convencê-lo de que não correria qualquer perigo pois de casa, em Odivelas, ao escritório onde trabalhava na altura, no Senhor Roubado – ao fundo da Calçada de Carriche -, mesmo que não houvesse transportes públicos não demoraria mais de 15 minutos a pé. Creio que só o entusiasmo dos meus dezassete anos o demoveu da sua determinação em fazer o que pensava certo para salvaguardar a todo o custo a minha segurança.
Já não recordo se os transportes públicos circulavam, mas à hora exata estava no escritório tal como todos os restantes colegas, tanto do escritório como do armazém e da oficina. No entanto esse dia começou como nenhum outro até então. No escritório e nas várias secções da empresa, os trabalhadores formavam pequenos grupos que trocavam animadamente as últimas notícias que iam chegando através da rádio.
Pelo meio da manhã chegou o patrão, Montoya de seu nome, que após passagem breve pelo escritório e reunião com os diretores da área administrativa e da área fabril, transmitiu a sua decisão de encerrar as instalações antes de almoço e permitir que todos regressassem a suas casas ‘em segurança’.
Em boa verdade, não sei como cheguei do Sr. Roubado ao Rossio, onde me encontrei com a Lurdes, com quem subi o Chiado percorrendo as ruas apinhadas de gente cujas conversas iam da António Maria Cardoso – sede da PIDE, ao Largo do Carmo – quartel da GNR onde se refugiara o 1º ministro Marcelo Caetano. A caminho da sede da PIDE resolvemos passar primeiro pelo Largo do Carmo. Estávamos junto ao Teatro da Trindade quando ouvimos rajadas de metralhadora vindas do Carmo, o que nos fez apressar o passo e chegar frente ao quartel da GNR onde se distinguiam claramente os impactos das balas disparadas pelos soldados como sinal de aviso a exigir a sua rendição e a entrega de Marcelo Caetano aos Homens do Movimento das Forças Armadas.

Largo do Carmo – dia 25 de Abril de 1974
Agora já posso responder à pergunta de partida – onde estavas no 25 de Abril?, dizendo que sim, que estava lá, no epicentro dos acontecimentos, mais precisamente no Largo do Carmo, no cerco ao quartel da GNR, onde pude assistir aos momentos mais importantes que o povo português viveu nos últimos cem anos – o fim do regime fascista com a rendição do seu último governo, imediatamente saudada pelos gritos de vitória que saltaram espontaneamente dos milhares de corações que acompanharam a ação dos militares e ecoaram por Portugal inteiro.

Os tempos que se seguiram são difíceis de descrever e de controversa interpretação. Perduram, no entanto, no coração e na mente de milhões de homens e mulheres, portugueses e de dezenas de nacionalidades, como uma lição de civismo, dignidade e humanidade que um dos povos mais espezinhados e atrasados da Europa deu ao Mundo ao derrotar um dos regimes mais repressivos sem derramar uma gota de sangue (os que morreram durante os acontecimentos do 25 de Abril foram os últimos a serem assassinados pela polícia política do fascismo).
A História registará as profundas transformações que podiam ter catapultado Portugal para o topo dos países mais avançados do Mundo. Os que ousaram enfrentar o regime e foram encerrados nos seus cárceres foram finalmente libertados; o último Império Colonial deu lugar a seis novos países independentes em África e no Extremo Oriente; os trabalhadores portugueses viram reconhecidos alguns dos seus direitos fundamentais; Portugal aprovou uma das mais avançadas Leis Constitucionais de todo o Mundo; os principais suportes do fascismo, grandes latifundiários e capital financeiro foram, ainda que temporariamente, controlados na sua ação contrarrevolucionária através da Reforma Agrária e da Nacionalização dos Bancos; o país foi coberto por campanhas massivas de alfabetização; as mulheres portuguesas conquistaram direitos que há muito lhes eram negados e que as colocam na vanguarda da luta pela emancipação da mulher; o sistema educativo sofreu uma verdadeira revolução tanto nos métodos como nos conteúdos; foi criado o Serviço Nacional de Saúde; o Estado passou a proteger os idosos e pensionistas; (…)
Para finalizar e recordando António Gedeão: Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer
(…)
Permito-me terminar com outra pergunta: - onde estaríamos sem o 25 de Abril?,

 

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