Débora Francisco|Chamar a Música

Às músicas que viriam a mudar o futuro de Portugal, ficarão para sempre associados os seus artistas. Com mais frequência o talento dos intérpretes é mais creditado do que o dos escritores e compositores. Por isso, e para igualmente recordar a revolução que este ano comemora os seus quarenta e cinco anos, porque não expor um pouco da biografia de quem esteve por detrás das músicas mais conhecidas desta altura?
Em primeiro lugar é necessário (e talvez obrigatório mesmo) mencionar José Afonso, carinhosamente conhecido como Zeca Afonso, embora nunca tenha usado essa designação como nome artístico. Este nasceu num meio burguês mas acabou por passar variadas dificuldades a nível familiar, incluindo a participação forçada na Mocidade Portuguesa. À medida que os anos passaram, José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos traça o seu futuro como professor, sendo que, nos tempos de maiores dificuldades financeiras, este era também explicador. Da mesma forma, este homem marca a sua influência a nível musical, produzindo discos e viajando pelo mundo em digressões com fadistas e outros músicos. Claramente, com a frustração do regime ditatorial em que vivia e a inspiração do meio trabalhador que o rodeava, este acaba por compor variadas músicas de protesto, nomeadamente a senha da revolução- Grândola, Vila Morena. Os seus manifestos políticos valeram-lhe não só detenção e prisão por parte da PIDE/DGS mas também inúmeras homenagens. Destas, destaca-se a distinção honorífica Ordem da Liberdade, atribuída a quem presta serviços relevantes em defesa da civilização, a qual o artista e professor recusou. Em 1987, Zeca Afonso viria a falecer de doença.
Ao falar de autores de canções que serviram de senha na revolução, deve-se mencionar também Paulo de Carvalho. Este músico compositor foi um dos fundadores da banda Sheiks, considerada “os Beatles portugueses”, que viria a acabar por causa do cumprimento obrigatório de serviço militar. Saltitando de banda em banda e sempre com um grande amor à música, o cantor investe seriamente na sua vida musical. Como dizem as bocas populares, à terceira é de vez, pelo que na terceira vez em que participava no Festival RTP da Canção, este vence. Embora tenha ficado em último no festival da Eurovisão juntamente com os intérpretes da Alemanha, Suíça e Noruega, a canção com a qual representou Portugal para sempre marcaria o povo português. E Depois do Adeus, com letra de José Niza e música de José Calvário, serviria de senha para que as tropas se preparassem. Embora seja notável o seu caráter político através do título, esta canção é, de facto, sobre amor.
Por outro lado, Ermelinda Duarte merece também a nossa atenção pela sua famosíssima canção Somos Livres (A gaivota voava, voava). Juntamente com a produção de José Cid, esta atriz escreveu e cantou o que viria a ser um dos mais importantes símbolos do final da censura que se instalou após a revolução. Esta música revolucionária era, na verdade, parte da peça teatral "Lisboa 72-74" de Luzia Maria Martins, na qual desempenhava um papel. A atriz acabaria por ser convencida a gravar o hino de liberdade em estúdio por Mário Martins, da editora Valentim de Carvalho. Maria Ermelinda Oliveira Duarte nasceu em 1946 e continua atualmente a desempenhar papéis de dobradora.
Concluindo, existem inúmeras pessoas que devem ficar na memória pela coragem que tiveram em manifestar-se contra o regime salazarista por meios artísticos, sem que, no entanto, se esqueçam os homens e mulheres que à sua maneira se juntaram a esta luta. Ainda nos dias correntes se dá um grande valor à ousadia lírica do povo português, sendo destacável a recente contribuição do grupo Deolinda a partir da sua composição Parva que sou, da autoria de Pedro da Silva Martins, que rapidamente viria a ser considerada uma música de intervenção, embora mais atual.

 

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