Alice Marques | P&V

Entrevista a José Francisco Fadul

Ocupou alguns dos mais altos cargos políticos na Guiné Bissau: foi Primeiro Ministro, Presidente do Tribunal de Contas, Assessor Jurídico e Conselheiro do Presidente da República Nino Vieira, Secretário da Comissão Nacional de Combate à Fraude e à Corrupção; Presidente do PUSD – Partido Unido Social Democrata, Membro da Comissão Internacional da UNESCO para a Procura da Paz no Mundo.
O seu impressionante currículo inclui também diversas funções na Educação, de professor do ensino secundário, diretor de escola, professor convidado na Universidade Lusófona em Lisboa, a Chefe de Gabinete do Ministro da Educação Nacional e Cultura.
Hoje, com 65 anos, embora conserve algumas funções de prestígio- Presidente do PADEC, (Partido para a Democracia, Desenvolvimento e Cidadania da Guiné Bissau) de que foi fundador, e Embaixador para a Paz, da Federação para a Paz Universal (Membro Observador do Conselho Económico e Social da ONU), - vive na Marinha Grande o seu 4º exílio em Portugal, aguarda a defesa da sua Tese de Doutoramento em Filosofia e acompanha, como nunca antes pode fazer, o crescimento e a educação dos filhos, dois dos quais, Adelina Fadul e João Paulo Fadul, estudam na escola Calazans Duarte.
José Francisco Fadul, em entrevista exclusiva ao P&V, conta alguns episódios da sua carreira política, da sua vida em Portugal e revela os seus sonhos.

Alice Marques – Há quantos anos está em Portugal?
José Francisco Fadul- Este é o meu quarto exílio em Portugal e desta vez já estou há 9 anos e meio. Mas já vivi aqui outros três exílios, entre 1978 e 2003.
AM – A sua relação com Portugal é apenas a de um exilado político?
JFF – Na verdade, não. Eu sou guineense de nascimento, mas português de educação. Estudei em universidades portuguesas e aliás continuo a estudar, pois entreguei a Tese de Doutoramento em Filosofia, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa, e aguardo a data de defesa. Somando todos os anos em que aqui estive a estudar e exilado são 18 anos de vida em Portugal.
AM - Pode explicar as circunstâncias que originaram este seu último exílio?
JFF – Foi em 1/2 de março de 2009, na sequência do assassinato do Presidente da República, Nino Vieira, e do Chefe Estado-Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau, ocorrência de que, aliás, tive conhecimento em Portugal. Eu estava em trânsito, vindo de uma missão do Tribunal de Contas em Macau. Vi a notícia na RTP, ao pequeno almoço, no dia 2. No dia 6 de março, voltei para Bissau. A partir daí, como figura pública, comecei a ser assediado pela imprensa, para me pronunciar sobre os assassinatos. Dei uma Conferência de Imprensa e pronunciei-me sobre o assassinato do Presidente Nino Vieira e a nomeação, totalmente à margem das formalidades constitucionais, do novo Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas.
AM – Como classificou a situação?
JFF- Considerei que tinha sido um Golpe de Estado não assumido. Afirmei e explicitei 12 motivos pelos quais considerava um golpe de estado não assumido. Na qualidade de Presidente do Tribunal de Contas critiquei o facto de o orçamento atribuído às Foças Armadas ser em bloco, o que se presta sobremaneira à corrupção.
AM – Foram as declarações que fez nessa Conferência de Imprensa que o tornaram uma persona não grata?
JFF – Não, muito antes disso, eu já era um grande incómodo para o sistema. Os meus exílios anteriores são prova disso. Já era considerado um “vírus” do sistema, pelas cúpulas. Mas sempre fui muito respeitado pela população. Nos meus regressos do exílio fui sempre acolhido por multidões.
AM – Mas voltemos a março de 2009…
JFF- Na sequência das minhas declarações, a minha casa foi invadida pelo Esquadrão da Morte, 15 homens armados que pilharam tudo o que conseguiram meter numa carrinha e me agrediram com chapadas, com o cano das AK-47, as famosas Kalachnikov, e também esbofetearam a minha esposa. Provocaram-me danos físicos que me levaram ao hospital em Bissau e depois a longos meses em ambulatório no hospital de Santa Maria em Lisboa e que ainda hoje subsistem. Eu percebi que a sua intenção era destruir-me. Soube depois que tinham sido pagos e eventualmente drogados, para fazerem isso.
AM – Quando saiu do Hospital em Bissau, veio logo para Lisboa?
JFF – Três dias depois de ter sido agredido, pressões internacionais da ONU e da Amnistia Internacional exigiam ao governo guineense que eu fosse ressarcido dos danos e saísse do país. Havia receio de um contragolpe. Meteram-me num avião para Portugal, a mim e
à minha esposa, e, sendo considerado um Combatente pela Liberdade da Pátria, tinha direito à assistência, eu e a minha família, mas isso não veio a acontecer.


AM – Onde foi recebido, em Lisboa?
JFF- Fui recebido na Embaixada da Guiné Bissau, mas fui de imediato levado para o Hospital de Santa Maria, porque o meu estado físico era muito grave. Fui seguido neste Hospital até fevereiro de 2011.
AM – Veio só com a sua esposa? E os seus filhos?
JFF- Os meus filhos ficaram na Guiné, ao cuidado do antigo Secretário do Protocolo. Os meus filhos mais novos, o João Paulo, com 9 anos, e a Adelina, com 6, ficaram longe de nós 37 longos meses, embora falasse todos os dias com eles pelo Skype. Só em maio de 2012 consegui que viessem. Veio também o Elias, um sobrinho que praticamente adotei e criei como meu filho. Os mais velhos, já adultos, ficaram na Guiné, onde ainda estão.
AM – Depois de sair do Hospital de Santa Maria, onde ficou a viver?
JFF – Fui viver para um apartamento na Pontinha, graças à intervenção da Igreja Evangélica. A Igreja Evangélica Central de Bissau pediu à Igreja em Lisboa que me acolhessem e assim me arranjaram um lugar para morar.
AM- E como acabou por vir para a Marinha Grande?
JFF – Em 2012, eu comecei a preparar o meu regresso à Guiné, mas compreendi que a minha esposa não estava preparada para regressar. Então, como tinha um sobrinho na Marinha Grande, decidimos vir para cá, também para o ajudar. Vivi inicialmente num apartamento por cima da papelaria americana, depois mudamo-nos para Picassinos.
AM – Com que dinheiro vive e cria a sua família aqui na Marinha Grande?
JFF – Ocupei altos cargos na Guiné Bissau, o governo tem de pagar-me uma pensão. E paga, embora às vezes com atraso de meses e, mais recentemente, com um corte enorme de 400 euros.
AM – Admite a hipótese de voltar à Guiné?
JFF- Se o governo me pagasse o que deve, se me fosse garantida segurança, voltaria sim. Porque eu tenho projetos para a Guiné Bissau.
AM – A Guiné Bissau é um país viável?
JFF – Sim, é um país viável. Eu já o governei, num contexto muito desfavorável, e sei que é viável.
AM – O que entrava então o desenvolvimento do país?
JFF- Principalmente a indisciplina orçamental e a corrupção. E a pobreza, a falta de escolaridade da maioria da população, que continua a eleger quem os coloca na miséria. A sociedade civil não tem qualquer peso na opinião pública e o poder manipula os órgãos de comunicação. Há muito a fazer.
AM – Conhece Portugal desde antes do 25 de Abril de 1974. Como tem visto a evolução deste país nas últimas quatro décadas?
JFF- Considero que Portugal se tornou um país em franca evolução económica e social e com respeito pela legalidade constitucional. Fui notando modificações muito positivas. Mesmo quando vinha em missões políticas, por poucos dias, observava as mudanças na cidade e no quotidiano das pessoas a partir do táxi. Por força das minhas funções, viajei muito pelo mundo e andei muito de táxi. Tornei-me também um observador do mundo a partir dos táxis!
AM – Tem 2 filhos a estudar na escola Calazans Duarte, o João Paulo e a Adelina, também já cá estudou o Elias… que impressão tem desta escola?
JFF- Tenho uma ótima impressão desta escola. Tem uma direção muito atenta à situação de cada aluno, muito humana e generosa. Tem professores com muita competência que garantem uma educação de qualidade. Até nas atividades lúdicas se nota o quanto esta escola investe na formação integral nos alunos.
AM – Que futuro deseja para os seus filhos?
JFF- Espero que adquiram qualificações e se tornem quadros em qualquer parte do mundo. Mas sobretudo que tenham discernimento. A educação e o conhecimento são o mais importante na vida. Por isso eu tenho continuado a estudar, aguardo a defesa da minha Tese de Doutoramento em Filosofia, como já referi, e a minha esposa também fez a Licenciatura em Gestão de Recursos Humanos, no ISDOM.
AM – Foi, e ainda é, uma figura pública, com reconhecimento internacional. Mas na Marinha Grande vive praticamente anónimo. Essa situação não o incomoda?
JFF- Absolutamente nada. Vivo tranquilamente fora do poder. Não tenho, nunca tive, a ambição do poder pelo poder. Mas, às vezes, quando me chamam senhor Francisco…tenho de me repensar: “senhor Francisco… ah, sou eu!”. Acompanho o crescimento da minha filha mais nova, nascida aqui, e a situação escolar dos outros, como nunca pude acompanhar antes. Quando nos dedicamos à política, as nossas relações sociais tornam-se administrativas e isso contagia até as relações familiares. Fora da política ativa, passei a ter uma relação muito diferente com a família.
AM – A sua vida pública é um exemplo de honestidade e coragem, de quem arrisca tudo por um sonho. Ainda tem sonhos?
JFF- Tenho vários sonhos, ambiciosos, mas todos eles conciliáveis, a meu ver, para além, obviamente, da união, progresso e prosperidade da minha família. Gostaria muito de, voltando à Guiné, poder criar um Complexo Escolar Básico, Secundário e Superior; um Hospital ou Policlínica com Farmácia; uma Fundação para o Conhecimento e a Cidadania; e algumas unidades industriais que promovam a sustentabilidade material e a eventual expansão deste projeto múltiplo.
E, para minha especial satisfação pessoal, gostaria de ganhar suficiente estabilidade para começar a escrever, sobretudo ensaios e romances e, ainda, de exercer funções abrangentes na Organização das Nações Unidas, onde pudesse de algum modo contribuir para a humanidade, nas vertentes da paz, da interculturalidade e da prevenção/resolução de conflitos.
AM- São sonhos para uma vida e dariam para várias entrevistas! Agradeço-lhe muito esta conversa inspiradora.
JFF – Sim, são sonhos ambiciosos, mas conciliáveis. Eu é que agradeço o convite. Foi a primeira vez que aqui em Portugal me chamaram para uma entrevista e gostei muito que tenha sido um Jornal Escolar.

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